SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Selic a 15% e os sinais de desaceleração da atividade econômica levaram os bancos a reduzirem a exposição a risco no segundo trimestre deste ano. Com foco em empréstimos com garantia e clientes de alta renda, Bradesco, Itaú e Santander escaparam do aumento na inadimplência no período, visto na média do sistema financeiro nacional compilada pelo Banco Central.

Em balanços divulgados nesta semana, os três bancos divulgaram um crescimento anual no lucro líquido, que somou R$ 21,23 bilhões, e na rentabilidade.

“A grande dúvida que fica é como vai ser a economia no segundo semestre. Para os bancos, há dúvida na desaceleração da carteira de crédito até o fim do ano e potencial impacto na inadimplência”, diz o Eduardo Rosman, o analista de finanças do BTG Pactual.

Dados do BC mostram que o crédito em atraso acima de 90 dias subiu de 3,28% em março para 3,55% em junho, igualando o patamar visto em maio de 2023, o maior desde 2017. Os três maiores bancos privados, porém, seguem com essa métrica sob controle.

Em comparação ao segundo trimestre de 2024, Bradesco, Itaú e Santander conseguiram reduzir o índice de atraso. Em relação ao início deste ano, ele permaneceu estável para os dois primeiros e reduziu 0,2 ponto percentual para o Santander.

No entanto, uma mudança contábil pode estar distorcendo os dados. A resolução 4.966 do CMN (Conselho Monetário Nacional), que passou a valer neste ano, permite que bancos carreguem créditos em atraso por prazos superiores a um ano, sem declará-los como perda, o que pode elevar a inadimplência da carteira como um todo, impactando o dado do BC.

Quando o banco classifica que não irá receber o empréstimo concedido, ele sai do cálculo de inadimplência, que é feito com base em valores a receber. O contrário também é válido, com bancos declarando perdas mais rápido e limpando o balanço.

Já a queda na inadimplência no Santander, segundo analistas, é fruto de uma redução na concessão de crédito do banco, que foi o mais cauteloso entre os três. Isso também o levou a crescer levemente abaixo do esperado.

“Os juros já estão em dois dígitos há três anos. O Brasil está acostumado com juros altos, mas empresas alavancadas estão se financiando a 20%, 25% ao ano, muito por conta da Selic em 15%. O fato de o Brasil estar com juros altos há mais tempo leva a desafios nos portfólios [de crédito]”, disse Mario Leão, CEO do Santander, ao comentar o resultado do banco.

O executivo destacou que o cenário também eleva o risco para pequenas e médias empresas, além dos clientes de baixa renda.

“Aqui não é para tirar a baixa renda do nosso mapa, ao contrário, a gente precisa da baixa renda, mas da baixa renda certa. E a gente tem sido, portanto, mais seletivo […] todo o foco de aceleração na pessoa física está voltado para alta renda”, afirmou Mario Leão na teleconferência com analistas.

Para a Genial Investimentos, esse afunilamento deve atrasar a recuperação da rentabilidade do banco, que visa voltar a um ROAE (Retorno Sobre Patrimônio Médio, na sigla em inglês) de 20% -e atualmente está em 16,4%.

“Diante disso, a gestão adiou essa meta para 2027, reconhecendo que o ambiente macroeconômico mais restritivo e o ciclo de crédito mais seletivo devem atrasar a recuperação plena da rentabilidade”, afirmam os analistas da Genial.

De olho neste cenário mais desafiador com a Selic em 15%, a matriz do Santander provisionou 467 milhões de euros (R$ 3 bilhões) para suportar possíveis deteriorações na sua unidade brasileira.

Para Rosman, do BTG, a resiliência da economia brasileira é mais importante para bancos em trajetória de recuperação, caso do Santander e do Bradesco.

Na sua expansão de carteira de crédito, o Bradesco tem priorizado os empréstimos com garantia. O CEO Marcelo Noronha destacou que o banco segue seu plano de reestruturação de longo prazo, mas “sem fazer nenhuma loucura de crescer carteira de crédito e ter soluço”.

O aumento nos empréstimos quando a Selic estava baixa, durante a pandemia, acabou derrubando o resultado dos bancos em 2023 com a volta da Selic de dois dígitos, especialmente com a inadimplência de clientes de baixa renda.

“Os resultados operacionais do banco estão melhorando de forma rápida e sustentável, em nossa visão. O mais importante é que a capacidade de geração de receita do banco parece ter sido restaurada por meio de uma combinação de crescimento da carteira de crédito, gestão de spreads [diferenças entre juros pagos e cobrados], receitas de serviços e seguros”, afirmam, analistas do Itaú BBA.

Com maior exposição à alta renda, o Itaú Unibanco foi menos afetado por essa deterioração e também apresenta maior resiliência no momento, avaliam analistas. A instituição tem o maior lucro, ROAE e carteira de crédito dentre os três e a menor inadimplência.

“O resultado do segundo trimestre representa nada mais do que a continuidade do bom momento do banco, com expansão de lucro e rentabilidade, resultado dos ganhos de eficiência e foco na qualidade da carteira que o Itaú vem conseguindo imprimir com consistência -praticamente sem deslizes ao longo dos últimos anos”, diz Rafael Reis, analista do BB Investimentos.

O ponto negativo seria o alto investimento do banco em tecnologia e inovação. Porém, a aposta do mercado é que isso se traduza em custos menores no futuro.

Tanto Itaú como Bradesco não relataram ter sido impactados pela onda de recuperações no agronegócio, diferente do Santander e do Banco do Brasil. Este último tem a maior exposição ao setor e já registrou impactos nos três primeiros meses do ano.

Na semana passada, balancetes do BB relatados ao Banco Central indicaram um resultado abaixo do esperado nos meses de abril e maio, o que levou a uma queda de quase 7% nas ações da instituição. O resultado trimestral a estatal será divulgado no próximo dia 14 e a expectativa é que seja o pior do setor.