SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu nesta quarta-feira o arquiteto Carlos Alberto Cerqueira Lemos, aos cem anos. Historiador e nome incontornável da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo, onde lecionou por quase seis décadas, ele também foi um importante parceiro de Oscar Niemeyer.

Na década de 1950, chefiou o escritório do modernista em São Paulo e coordenou a construção do edifício Copan, um dos mais emblemáticos da capital paulista, a partir do projeto idealizado por Niemeyer, enquanto o parceiro se ocupava com a construção da capital federal, Brasília. Também trabalhou, na mesma década, no projeto do parque Ibirapuera, outro símbolo da geografia paulistana com o modernista.

A morte foi confirmada pelo Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. “Lemos dedicou sua trajetória à valorização da arquitetura brasileira, à preservação e difusão da nossa memória urbana e à formação qualificada de profissionais e pesquisadores”, diz a nota.

Nascido em São Paulo, em 1925, Lemos se formou na primeira turma da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, em 1950. Foi o primeiro diretor técnico do Condephaat, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, onde permaneceu de 1968 a 1981. Depois, atuou como conselheiro do órgão.

A criação do parque Ibirapuera, concebido como um marco dos 400 anos de São Paulo, foi um exercício de criatividade, como afirmou Lemos em entrevista. “Não sabíamos direito para que serviriam os prédios que estávamos erguendo, de que maneira eles seriam ocupados, por quantas pessoas. Haveria a feira internacional do Quarto Centenário, mas e depois? Ciccillo Matarazzo só dizia que queria algo monumental. Assim, o prédio da Bienal acabou ficando maior que a rua Barão de Itapetininga”, disse.

Lemos ficou responsável pela concretização do edifício onde seria instalada a Secretaria da Agricultura e onde, posteriormente, funcionaria o Detran. Mas o prédio, atualmente ocupado pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC, depois foi excluído dos limites do parque por causa do alargamento da ligação entre as avenidas 23 de Maio e Rubem Berta.

Para o arquiteto, o projeto do Ibirapuera não enfrentou obstáculos, senão o de sua própria grandiosidade -seis edificações, entre elas a gigantesca marquise, mais os três lagos artificiais, as ruas, os gramados e jardins. “Dinheiro e vontade de fazer havia, o problema era o prazo”, contou Lemos. O parque não ficou pronto para os festejos do aniversário da cidade, em 25 de janeiro de 1954. Acabou sendo inaugurado no dia 21 de agosto daquele ano.

Lemos teve relação próxima com a Folha de S.Paulo e integrou a equipe que projetou um dos prédios da sede do jornal, no centro da cidade.

A construção foi inaugurada em 1974. Apesar disso, Carlos Lemos disse em uma entrevista, há cinco anos, que muitas das suas ideias originais não saíram do papel.

Ainda assim, reivindicava a autoria de alguns espaços, como o nono andar do prédio. Ali ficavam a sala do publisher, Octavio Frias de Oliveira, morto em 2007, de quem Lemos era amigo, e a do diretor de Redação, Otavio Frias Filho, que morreu em 2018.

Nos anos 1950, aliás, foi Octavio Frias, então diretor da carteira imobiliária do Banco Nacional Imobiliário, quem sugeriu o nome de Lemos para ser braço direito de Oscar Niemeyer em São Paulo.

Havia uma diferença de idade entre eles, e a amizade data da infância de Lemos e da juventude de Frias. Em 1948, a decoração do apartamento de Frias, ao se casar, ficou a cargo do arquiteto. O rapaz tinha projetado, também por encargo de Frias, seu primeiro grande conjunto arquitetônico -o trio de edifícios Paris, Roma e Rio, além do teatro Maria Della Costa.

“Tio Carlos, como carinhosamente o chamávamos, era um grande conhecedor de arte e um pintor talentoso -mas, sobretudo, uma pessoa de imensa generosidade e profundo conhecedor da arte de viver bem”, afirma Luiz Frias, publisher da Folha de S.Paulo.

Ao longo da carreira, Lemos também executou outros projetos de Niemeyer na cidade, como os edifícios Eiffel, o Montreal e o Triângulo, além de residências em outras cidades paulistas, como Ibiúna e Ubatuba. Após o fechamento do escritório de Niemeyer em São Paulo, em 1957, Lemos construiu, a partir da década de 1960, uma série de residências na cidade, como a Luís Eduardo Magalhães Gouvêa, Renato T. Magalhães Gouvêa, Jayme Alipio de Barros, Cícero R. Franco e aquela que levava seu próprio nome.

Lemos também se ocupou muito da escrita, com mais de 20 livros, onde destrinchou desde as casas de taipa à arquitetura da primeira República, passando pelos casarões dos cafeicultores e por intervenções em prédios históricos. O primeiro foi “Dicionário da Arquitetura Brasileira”, em 1972, publicado com Eduardo Corona, de quem ele foi assistente na FAU antes de trilhar sua própria carreira.

Publicou ainda “Notas sobre a Arquitetura Tradicional em São Paulo”, “Cidade sem Vestígios”, deste ano, “O que É Arquitetura” e “O que É Patrimônio Histórico” -esses parte da célebre coleção da Brasiliense.

Lemos se destacou como um dos principais professores da história da USP, onde esteve por 58 anos. Em 2022, a instituição outorgou ao docente o título de professor emérito. Parte importante do acervo de Lemos está na biblioteca da FAU. É possível encontrar lá o anteprojeto do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, de 1983, e também o do edifício Bradesco, na avenida Ipiranga. Estão na biblioteca também cerca de 4.000 fotos feitas por Lemos ao longo da vida.

Nas horas vagas, Lemos ainda gostava de pintar e era considerado um exímio cozinheiro.