SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Seis anos antes de ser morto por policiais militares na região central de São Paulo, Jeferson de Sousa Santos, 23, ganhava alguns trocados descarregando caminhões e trabalhando nas roças de Craíbas, em Alagoas.

Em 2019, duas semanas após a morte da mãe, Adeilda, ele deixou a cidade onde cresceu e se mudou para São Paulo, onde teria emprego garantido numa pizzaria. Em menos de um ano estava desempregado, viciado em drogas e vivendo na rua.

O relato é de sua irmã mais nova, Micaela Soares, 20, que ficou sabendo da morte pelo telefonema de um delegado da Polícia Civil. As imagens da morte de Jeferson -chorando, colocando as mãos na cabeça e aparentemente obedecendo as ordens dos PMs com calma durante mais de uma hora, até levar três tiros de fuzil- não saem da memória dela.

Como não tinha celular, o contato com a família só ocorria quando Jeferson conseguia convencer alguém na rua a deixá-lo usar um telefone. Em março, ele havia avisado a irmã que pensava em voltar para Craíbas. “Ele falou bem assim: ‘minha irmã, eu quero ir embora, quero sair dessa vida'”, conta Micaela.

Ela diz que, nos últimos cinco meses, a família tentou fazer com que algum conhecido viajasse a São Paulo para encontrá-lo e levá-lo de volta a Craíbas. Devido ao vício de Jeferson, a família descartava a hipótese de depositar dinheiro em alguma conta bancária para que ele comprasse a passagem.

“Como ele tava no mundo das drogas, a gente ficava com medo de mandar [o dinheiro] e ele não vir.”

Jeferson tinha quatro irmãs. Segundo Micaela, seu pai foi assassinato quando eles ainda eram crianças. O irmão tinha 17 anos quando a mãe morreu em decorrência de um câncer, e o mundo dele virou de ponta-cabeça.

“Nossa mãe era nossa base, nosso ponto seguro, porque ela foi nossa mãe e nosso pai ao mesmo tempo”, diz Micaela, que conversou com a reportagem por telefone.

O grande sonho de Jeferson era ser jogador de futebol. A irmã afirma acreditar que o abalo psicológico da perda dos pais e o choque provocado pela mudança drástica do sertão alagoano para a maior metrópole da América do Sul tenham facilitado seu vício e seu declínio até passar a dormir nas ruas.

As imagens da ocorrência que resultou na sua morte em 13 de junho, gravadas por uma câmera corporal, contradizem o que os policiais afirmaram em depoimento. Elas mostram que ele ficou com os policiais por mais de uma hora sem oferecer perigo e obedeceu às ordens.

O tenente Alan Wallace dos Santos Moreira e o soldado Danilo Gehrinh, da Força Tática do 7º Batalhão, alegaram que Jeferson tentou tomar a arma de um deles e, por isso, foi morto com três tiros -um na cabeça, um na lateral do tórax e outro no braço direito.

No entanto, a gravação mostra que e não faz movimentos bruscos no momento em que é alvejado, e coloca as mãos à frente do corpo lentamente. Vinte segundos antes de ser alvo dos tiros, ele estava com as mãos na cabeça e de costas para os policiais.

Os dois policiais foram presos pela Corregedoria da PM e denunciados sob acusação de homicídio doloso (com intenção de matar).

“Até agora estou me perguntando o porquê da crueldade que fizeram. Por que quem estava ali para proteger tirou a vida dele, de uma forma tão cruel?”