SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu o arquiteto Carlos Alberto Cerqueira Lemos, aos cem anos. Nome incontornável da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, onde lecionou por décadas, ele foi ainda um dos principais parceiros de Oscar Niemeyer, tendo chefiado o escritório do modernista em São Paulo e coordenado a construção do edifício Copan, um dos mais emblemáticos da capital paulista, a partir do projeto idealizado por Niemeyer, enquanto o modernista se ocupava de erguer a capital federal, Brasília.
A morte foi confirmada pelo Departamento do Patrimônio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo Histórico. “Arquiteto, professor e pesquisador, Carlos Lemos dedicou sua trajetória à valorização da arquitetura brasileira, à preservação e difusão da nossa memória urbana e à formação qualificada de profissionais e pesquisadores”, diz a nota.
Lemos foi por muitos anos dirigente do Condephaat, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. Na década de 1950, fez parte da equipe que projetou o parque Ibirapuera, outro símbolo da geografia paulistana, projeto no qual também trabalhou com Niemeyer.
A criação do parque foi um exercício de criatividade, ele afirmou à Folha de S.Paulo em 2003. “Não sabíamos direito para que serviriam os prédios que estávamos erguendo, de que maneira eles seriam ocupados, por quantas pessoas. Haveria a feira internacional do 4º Centenário, mas e depois? Ciccillo Matarazzo só dizia que queria algo grande, monumental. Assim, o prédio da Bienal acabou ficando, em largura e extensão, maior que a rua Barão de Itapetininga.”
Lemos ficou responsável pela concretização do edifício onde seria instalada a Secretaria da Agricultura e onde, posteriormente, funcionaria o Detran. Mas o prédio, atualmente ocupado pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC, depois foi excluído dos limites do parque por conta do alargamento da ligação entre as avenidas 23 de Maio e Rubem Berta.
Para Lemos, o projeto do parque não enfrentou obstáculos, senão o de sua própria grandiosidade -seis edificações, entre elas a gigantesca marquise, mais os três lagos artificiais, as ruas, os gramados e jardins.
“Dinheiro e vontade de fazer havia, o problema era o prazo”, contou Lemos. O parque não ficou pronto para os festejos do aniversário da cidade, em 25 de janeiro de 1954. Acabou sendo inaugurado no dia 21 de agosto daquele ano.
Lemos teve ainda uma relação próxima com a Folha de S.Paulo. Ele fez parte da equipe que projetou um dos prédios da sede do jornal, na alameda Barão de Limeira, no centro de São Paulo, inaugurado em 1974. Apesar disso, disse em uma entrevista há cinco anos que muitas das suas ideias originais não saíram do papel.
Ainda assim, reivindicava a autoria de alguns espaços, como o nono andar do prédio. Ali ficavam a sala do publisher, Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), e a do diretor de Redação, Otavio Frias Filho (1957-2018), dupla de quem Lemos era amigo.
Nos anos 1950, foi Octavio Frias, então diretor da carteira imobiliária do Banco Nacional Imobiliário, quem sugeriu o nome de Lemos para ser braço-direito de Niemeyer em São Paulo. À época, o arquiteto carioca estava ocupado com a construção do que viria a ser Brasília.
A relação entre Frias e Lemos surgiu no fim do anos 1940 -a decoração do apartamento para onde se mudara Frias ao casar, em 1948, tinha ficado a cargo do arquiteto.
Nesse tempo, o rapaz, que se formou na primeira turma de arquitetura do Mackenzie, tinha projetado, também por encargo de Frias, seu primeiro grande conjunto arquitetônico -o trio de edifícios Paris, Roma e Rio, além do teatro Maria Della Costa, todos em São Paulo.
Ao longo da carreira, Lemos também executou outros projetos de Niemeyer na capital paulista, como o Eiffel, o Montreal e o Triângulo, além de residências em outras cidades, como Ibiúna e Ubatuba, tendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como um de seus clientes.
Após o fechamento do escritório de Niemeyer em São Paulo, em 1957, Lemos construiu a partir da década de 1960 uma série de residências na cidade, como a Luís Eduardo Magalhães Gouvêa, Renato T. Magalhães Gouvêa, Jayme Alipio de Barros, Cícero R. Franco e aquela que levava seu próprio nome.
Na mesma época, Lemos também se ocupou muito da escrita, tendo lançado mais de 20 livros. O primeiro foi “Dicionário da Arquitetura Brasileira”, em 1972, publicado com Eduardo Corona, de quem ele foi assistente na FAU antes de trilhar sua própria carreira. Publicou ainda “Notas sobre a Arquitetura Tradicional em São Paulo”, “Alvenaria Burguesa”, “O que É Arquitetura” e “O que É Patrimônio Histórico”.
Há duas décadas, quando tinha 80, lançou “Viagem pela Carne”, em que investiga seus antepassados na busca por pistas que o ajudassem a descobrir se seus dons artísticos haviam sido passados de uma geração para a outra.
Nos anos 2000, Lemos dirigiu o Museu de Arte Sacra de São Paulo, um dos maiores dedicados à preservação de peças religiosas -são centenas de objetos expostos na instituição, localizada na avenida Tiradentes, na Luz.
Lemos se destacou ainda como um dos principais professores da história da Universidade de São Paulo por 58 anos. Em 2022, a instituição outorgou ao docente o título de professor emérito, uma honraria pelo trabalho que ele prestou.
Parte importante do acervo de Lemos está guardada na biblioteca da FAU, segundo uma publicação de pesar que a faculdade fez no Instagram. “A FAU-USP manifesta os mais sinceros sentimentos à família e exalta a excepcionalidade de sua trajetória”, diz a nota.
É possível encontrar lá, por exemplo, o anteprojeto do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, de 1983, e também o do Edifício Bradesco, que fica na avenida Ipiranga. Estão na biblioteca também cerca de 4.000 registros fotográficos feitos por Lemos ao longo da vida.
Nas horas vagas, Lemos ainda gostava de pintar e foi considerado um cozinheiro exímio.