SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A remoção dos moradores da favela da Kampala se tornou um assunto importante dentro do Centro Educacional Unificado (CEU) Tiquatira, na Penha, zona leste de São Paulo. A Justiça determinou que a desocupação deve acontecer até o dia 30 de setembro, no meio do segundo semestre letivo.

Segundo professores, o impacto se reflete não só nas famílias, mas nos próprios estudantes. Aumento da agressividade e dos conflitos, desinteresse pelas aulas e faltas são alguns dos problemas que cresceram no período.

Segundo a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, do governo estadual), a desocupação é necessária em razão da contaminação do solo no local e para a construção de uma estação de metrô. A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz acompanhar os casos de crianças em idade escolar para readequação na rede, em casos de necessidade.

Os educadores estimam que mais da metade dos cerca de 2.000 alunos mora na Kampala —não todos estão na área na qual está sendo realizada a remoção, que inclui cerca de 25% da favela. O terreno pertence ao governo do estado e foi reocupado em meados da década passada.

A estação Gabriela Mistral faz parte do projeto que extensão da linha 2-verde (Vila Prudente-Vila Madalena) até Guarulhos. A estação também servirá de integração com a 14-ônix (VLT que ligará Guarulhos a Santo André) e a 12-safira (Brás-Calmon Viana), hoje administrada pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), e receberá um terminal de ônibus.

Para retirar as famílias, a CDHU está oferecendo até dois anos de auxílio-aluguel. Seria o prazo para que as famílias sejam incluídas em um programa habitacional definitivo. A partir daí, cada uma delas passaria a pagar pelo financiamento de um imóvel definitivo.

A companhia afirma que a retirada começou por uma área prioritária de 476 unidades. Destas, 247 já aderiram, com 37 mudanças já realizadas, 47 agendadas e 163 em processo de apresentação de documentos.

“Esse processo ocorreu de forma voluntária e as unidades esvaziadas precisam ser descaracterizadas para conter o risco de reinvasão”, afirma. Os que ficam reclamam que as demolições provocam destruição em canos e na energia elétrica e que precisam fazer arrecadações para fazer os consertos em redes comuns que são afetadas. Os próprios moradores da favela estão sendo contratados pela CDHU para fazer as demolições.

Muitas famílias afirmam temer que o prazo não seja suficiente para a entrega do imóvel e dizem que não há um compromisso claro com a manutenção do auxílio caso isso ocorra.

Relatam ainda a dificuldade de alugar uma moradia na região com o valor mensal de R$ 800 que é oferecido pela companhia. Para se ter uma ideia, um barraco de madeira dentro da favela é alugado por R$ 450. O valor é oferecido em uma primeira parcela de R$ 2.400 e, depois de três meses, em parcelas mensais.

A preocupação é maior entre os estrangeiros. A comunidade reúne cerca de 250 famílias de outros países, a maioria bolivianos, venezuelanos, haitianos, peruanos e vindos de países da África, como Angola.

Como alguns deles não estão com a situação regularizada no registro nacional estrangeiros (RNE), preveem que podem ter dificuldade de acesso ao benefício, assim como de alugar imóveis em seus nomes mesmo se forem incluídos no auxílio.

A companhia afirma que outras 111 famílias estão em estudo de caso, principalmente por falta de documentação. “Do total de entrevistados, 76 pessoas são estrangeiras. A CDHU acionou a Defensoria Pública e a Secretaria de Justiça e Cidadania para realizar o atendimento e verificar a necessidade de regularização de documentos”, afirma.

Na Justiça, a desocupação não tem a mesma celeridade. O processo de reintegração de posse teve início em 2014, e as partes nem foram citadas. A juíza do caso, em decisão de julho, determinou a citação dos moradores, acompanhada pela companhia, “que deverá fornecer os meios necessários”.

Dias antes, a Defensoria entrou com um pedido de informações no processo. Nele, o defensor Mike Luiz Sella da Costa afirma que a retirada forçada das famílias “implicaria grave impacto” sobre instituições de ensino próximas, “dado que muitas delas atendem predominantemente filhos dos moradores da comunidade”.

Para mostrar que o local é uma comunidade consolidada, o defensor escreve que “os moradores possuem ligações regulares de energia elétrica, com contas individualizadas, pagamentos mensais em dia e endereços com CEP válidos”.

Costa pede também as confirmações de que a estação, que antes seria chamada Tiquatira, está planejada para o mesmo lugar, pois aponta indícios de alteração do trajeto das linhas.

O defensor pede a revogação da reintegração de posse, que foi dada em 2014, com base no “decurso de mais de uma década, sem cumprimento”. “A urgência que determinou a concessão da liminar já não existe há muito tempo. Além disso, houve profunda alteração fática na situação dos moradores do local”, argumenta.