SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Principal bandeira da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na área da segurança, o monitoramento de câmeras com reconhecimento facial tem gerado apreensão em delegacias na capital, segundo a delegada Beatriz Bullo, que atua no centro de São Paulo.
Para ela, o problema principal não é o Smart Sampa propriamente, mas os problemas que ele trouxe à luz: dados errados, falta de comunicação com bancos de mandados judiciais em outros estados e até o limbo jurídico do que fazer em caso de detenção de quem estava em saída temporária da prisão. Essas questões têm feito as pessoas esperarem por horas em delegacias até a conferência de identidade e a liberação.
As impressões foram compartilhadas por Bullo durante evento do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais realizado na quinta-feira (31). Ela atua no 8º Distrito Policial (Brás), que abrange áreas da Sé, do Brás, do Pari e do Cambuci. Para ela, a principal fonte de erro é o Judiciário.
“É por falta de baixa de mandado, pela impossibilidade de o delegado de polícia conseguir verificar a existência de mandado em outros estados e por essa questão de integração do sistema policial com o Judiciário. Porque as pessoas são conduzidas para a delegacia como procuradas, só que não tem nenhuma informação.”
Procurada, a prefeitura chamou as críticas de irresponsáveis e lamentou não ter a possibilidade de checar os casos, nos quais não foram apontados erros de reconhecimento, já que não foram informados os dias e horários das ocorrências. Já o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), responsável pelo Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP), diz que começou a funcionar, em 25 de julho, uma ferramenta que aponta inconsistências de erros cadastrais nos mandados de prisão, considerando inclusive o uso de informações da Receita Federal.
De acordo com o CNJ, cada unidade judiciária deve avaliar os atos e verificar a necessidade de revogação dos mandados de prisão sob sua responsabilidade. O banco também permite a autoridades policiais, diz em nota, a consulta para prisão ou soltura em qualquer unidade da federação.
Segundo a delegada, os plantões concentram alto volume de flagrantes e de ocorrências. “Em um plantão no distrito, recebemos, em média, seis ocorrências de flagrante e um número gigantesco de capturados em razão do Smart Sampa.”
Os erros cotidianos, de acordo com ela, superariam o patamar dos 23 equívocos registrados no relatório de seis meses de operação oficial do programa.
Segundo Bullo, um dos casos envolvia erro no CPF, o que teria levado uma mulher a ser apresentada na delegacia como João. “Eu falei olha, ela não é o João, e eles [agente] disseram que o CPF batia. Mas era só olhar ali. Ela ficou inconformada por ter sido colocada numa viatura e ter sido conduzida até a delegacia por supostamente estar sendo procurada. E ficou horas ali até que a gente pudesse fazer a averiguação. E obviamente não era um João, era um erro no mandado que havia sido emitido e colocado no Banco Nacional [de Monitoramento de Prisões, do CNJ].”
“Só que eles [guardas-civis] conduzem até a delegacia, mesmo os dados sendo divergentes, por receio. Sinto que eles têm muito receio de tomar alguma atitude sem a condução para a delegacia.”
Pelo volume de atendimentos, as pessoas precisam passar horas em um ambiente que ela chamou de insalubre. Bullo afirmou, ainda, que o sistema reconhece o rosto de pessoas procuradas, mas contras as quais não haveria mandado de prisão, o que geraria um limbo.
“E aí eu pergunto ao guarda sobre o mandado, e não tem. Aí eu preciso procurar e, na maioria das vezes, não existe. E preciso liberar uma pessoa que estava nos sistemas como procurado, mas que na Justiça não tem mandado, e fica aquela preocupação.”
Também há casos em que os policiais não conseguem consultar se há mandados abertos em outros estados, por falta de comunicação, segundo a delegada.
Outro caso citado por ela foi o de um paciente identificado em uma unidade de saúde e retirado de uma fila de injeção. Enquanto aguardava na delegacia para conferência de documentos, começou a passar mal, o que obrigou os guardas-civis a escoltarem o homem até o hospital. “[É] Menos uma guarnição na rua, fazendo o que realmente deveriam fazer, porque estão escoltando uma pessoa que estava na fila de injeção de um hospital.”
A gestão Nunes defendeu o sistema de câmeras. “A Secretaria Municipal de Segurança Urbana lamenta a falta de conhecimento da delegada Beatriz Bullo a respeito de um sistema como o Smart Sampa, que tem mostrado à população importantes resultados e contribuído para o combate à criminalidade na cidade de São Paulo.”
A pasta também disse, em nota, que nenhuma pessoa foi presa incorretamente ou injustamente a partir de abordagens iniciadas pelo sistema. “Nos casos de inconsistências, o sistema disparou o alerta em razão de informações que constam do Banco Nacional de Monitoramento do Conselho Nacional de Justiça.”
“De mais de 1.500 foragidos levados de volta à cadeia com ajuda do Smart, apenas 23 casos de inconsistências foram registrados.”
De acordo com a secretaria, somente após a confirmação de mandado judicial ativo há o despacho de viaturas. Em casos sem mandado, a ocorrência é encerrada sem abordagem. “A atuação da Guarda Civil Metropolitana no uso do sistema Smart Sampa segue protocolos rígidos de validação técnica e não realiza abordagens automáticas com base em alertas do sistema de reconhecimento facial.”