SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Atletas do sexo masculino que praticam exercícios de resistência intensa por longos períodos apresentam um risco maior de acumular placas de gordura nas artérias do coração (coronárias), processo conhecido como aterosclerose coronariana, segundo estudo publicado no European Heart Journal.
Esse acúmulo de placas provoca o endurecimento e o estreitamento das artérias, dificultando o fluxo de sangue, oxigênio e nutrientes para o coração. Essa condição pode aumentar as chances de problemas cardíacos, como a doença arterial coronariana (DAC), principal causa de morte súbita em atletas com mais de 35 anos.
Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que a prática de exercícios físicos continua sendo recomendada pois reduz fatores de risco. Eles alertam, no entanto, que o desafio da doença é que muitas vezes ela não dá sintomas até que esteja em estágio avançado, por isso reforçam a importância do check-ups regulares.
O estudo é baseado na revisão de dados obtidos por meio de exames de imagem cardíaca, como tomografias, e na análise de casos clínicos de atletas e outras pesquisas já publicadas.
O artigo confirma que a prática regular e moderada de exercícios reduz significativamente os riscos cardiovasculares, mas destaca que atletas homens de alto rendimento apresentam maior prevalência de acúmulo de lipídios, cálcio e outras substâncias nas paredes das artérias, na comparação com mulheres e pessoas mais sedentárias.
Nas atletas, dados indicam que a prática de exercícios de alta intensidade e volume elevado não provocam um aumento de aterosclerose. Nelas, a doença está mais relacionada ao avanço da idade e a fatores de risco, como pressão alta, colesterol e tabagismo.
Essas descobertas sugerem que as mulheres podem ter uma proteção contra os efeitos prejudiciais do treino intenso sobre as artérias, o que pode estar associado a diferenças hormonais, anatômicas e até nos hábitos de treino. Porém, o estudo indica que essas razões continuam sendo especulativas.
Uma das hipóteses levantadas para maior prevalência em homens tem relação com o impacto de exercícios intensos no sistema imunológico. Isso porque, quando submetido a um grande esforço, o corpo ativa uma resposta temporária de inflamação, um processo que, caso ocorra com frequência, poderia acelerar a aterosclerose.
Outra possibilidade está relacionada à alimentação dos atletas, que costumam ingerir mais calorias, incluindo uma maior quantidade de gorduras e carboidratos para sustentar os treinos intensos. Esse aumento no consumo energético pode contribuir para o depósito de substâncias gordurosas nas paredes das artérias, facilitando o desenvolvimento da doença.
A genética também é apontada como um fator importante. A predisposição individual pode interagir com o tipo e a intensidade do exercício praticado, influenciando o avanço da doença.
Apesar dessas associações, o estudo enfatiza que os motivos exatos ainda não estão totalmente claros, e são necessárias mais pesquisas abrangendo populações diversas para entender as diferenças entre sexo biológico, etnia e modalidade esportiva.
Muitas das ideias que existem até agora são apenas suposições e ainda precisam ser confirmadas. Além disso, os estudos já publicados foram principalmente com atletas brancos embora já se saiba que raça e etnia influenciam no risco cardiovascular.
O cardiologista Carlos Rassi, chefe do centro de cardiologia do hospital Sírio-Libanês em Brasília, afirma que o exercício físico continua sendo recomendado para a grande maioria das pessoas.
“Sair do sedentarismo e praticar atividade física é comprovadamente benéfico para a saúde cardíaca e para reduzir problemas cardiovasculares, como infarto, AVC e morte súbita. Então é fundamental que fique claro que não há contraindicação de exercícios. A questão está em atletas de altíssimo rendimento, que podem ter mais calcificação nas artérias coronárias. É algo curioso e ainda não temos uma resposta.”
A cardiologista e intensivista do Hospital São Luiz Jabaquara da Rede D’Or em São Paulo, Thalita Merluzzi, recomenda pelo menos 150 minutos de atividade aeróbica moderada por semana, além de exercícios de força de duas a três vezes por semana.
“A prática regular de esporte e de exercício físico reduz fatores de risco, melhora a função sanguínea e diminui a progressão da aterosclerose. É uma estratégia preventiva e terapêutica.”
Os cardiologistas reforçam a importância do check-up regular para detectar precocemente a aterosclerose, mesmo em pessoas sem sintomas, para iniciar o tratamento correto e prevenir eventos graves. Quando os sintomas aparecem, os mais comuns são dor no peito, falta de ar, cansaço, palpitações, tontura e desmaio.
“Mas esperar sintomas pode ser perigoso, pois o primeiro evento pode ser fatal. A avaliação médica cuidadosa, combinada com exames adequados, ajuda na prevenção, diagnóstico e manejo da doença”, afirma Rassi.
O tratamento foca no controle dos fatores de risco, como parar de fumar, melhorar alimentação, praticar atividade física regular, controlar peso, tratar pressão alta, colesterol elevado e diabetes.
Nem sempre há necessidade imediata de medicação. Quando a doença está avançada, podem ser necessários procedimentos cirúrgicos. Em casos muito graves, pode até ser indicado transplante cardíaco.
“A prevenção é o melhor caminho, e começa com mudança no estilo de vida”, diz Merluzzi.