SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em decisões que romperam décadas de tradição diplomática e aumentaram a pressão sobre Israel diante da crise humanitária sem precedentes na Faixa de Gaza, vários países europeus e o Canadá anunciaram nos últimos dias a intenção de reconhecer a Palestina. Mas as condições impostas para que a medida se concretize já levantam preocupações relacionadas à soberania do Estado e a assimetria de poder na região.

Em linhas gerais, Portugal, Reino Unido e França, além do Canadá, comprometeram-se a reconhecer um Estado palestino sem qualquer participação do grupo terrorista Hamas, caso os reféns ainda mantidos em Gaza sejam libertados e desde que haja reconhecimento ao direito de existência de Israel.

Outra demanda comum a esses países vem motivando debates: a desmilitarização do Estado. No contexto do direito internacional, essa exigência implicaria na constituição de um país sem Forças Armadas, diz Gunther Rudzit, especialista em segurança e professor de relações internacionais da ESPM.

A demanda, segundo as autoridades, tem o objetivo de garantir que a criação do novo país não represente uma ameaça à segurança de Israel ou à estabilidade da região. Ainda que um eventual Estado palestino possa ter o direito de investir em uma força policial para segurança interna, não haveria uma estrutura hierárquica rígida ou treinamento focado em combates.

A iniciativa não é toda inédita. Em 1948, curiosamente o ano em que o Estado israelense foi criado, a Costa Rica decidiu abolir as suas Forças Armadas para aumentar os investimentos em outros setores, caso de saúde e educação. Mas a pequena nação centro-americana não divide a fronteira com um país apontado como arqui-inimigo nem tem histórico recente de disputas territoriais.

No caso da Palestina, ressaltam-se preocupações relacionadas à soberania e assimetria de forças. Palestinos e defensores da causa argumentam que um país sem Forças Armadas não é plenamente soberano. Também apontam que, enquanto Israel continuaria como uma potência militar, a mais forte do Oriente Médio, pedir que um Estado abra mão de qualquer capacidade de defesa seria injusto ou desigual.

Outro possível empecilho apontado está relacionado à desconfiança mútua: para que a desmilitarização funcione, seria necessário que Israel também desse garantias concretas de não atacar ou ocupar o novo Estado, algo que muitos palestinos veem como improvável.

Detalhes das negociações não estão claros. Mas o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, já disse ser favorável que o Hamas “deponha suas armas”. Em carta enviada ao presidente francês, Emmanuel Macron, escreveu ainda que um futuro Estado palestino “não tem nenhuma intenção de ser militarizado e estaria disposto a trabalhar em acordos de segurança em benefício de todas as partes, desde que conte com uma proteção internacional”. A Autoridade Palestina governa parte da Cisjordânia.

Israel, que se opõe com veemência ao reconhecimento da Palestina, ainda tem demandas históricas que poderiam travar nos bastidores as negociações. Tel Aviv defende o estabelecimento de um espaço aéreo unificado, sob seu controle, argumentando que essa medida é indispensável para prevenir ataques aéreos ou o uso de aviões civis em ações terroristas.

O controle marítimo é outro elemento central nas exigências de Israel, já que o país quer manter domínio sobre as águas próximas à costa de Gaza. O objetivo seria impedir o transporte de armamentos via mar e a realização de ataques contra cidades israelenses a partir da faixa costeira.

Ao todo, mais de 140 países reconhecem o Estado palestino, incluindo o Brasil, que tomou essa decisão em 2010. Já Canadá, França e Reino Unido podem ser os primeiros países do G7, o grupo que reúne algumas das maiores economias do mundo, a endossar esse posicionamento.

Mesmo com adesão de mais países à causa, porém, a criação de um Estado palestino permanece distante, já que os EUA, maior aliado de Israel, vetariam a medida no Conselho de Segurança da ONU.

E nesta terça, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, reuniu-se com funcionários de segurança para discutir os rumos da guerra em Gaza e, segundo a imprensa local, defendeu que Tel Aviv assuma o controle de todo o território palestino, mesmo que isso coloque em perigo os reféns sob o poder do Hamas. Organizações internacionais disseram que os relatos são “profundamente alarmantes”.