SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ofensiva de filhos e aliados de Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais pode agravar a situação do ex-presidente se for interpretada como parte de um conluio e pode representar um risco extra para aproximá-lo do regime fechado, dizem especialistas.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), decretou na segunda-feira (4) a prisão domiciliar do ex-presidente sob o entendimento de que ele descumpriu a proibição de uso de redes sociais, diretamente ou por meio de terceiros.

Suspeito de agir para atrapalhar o andamento do processo no qual é réu por tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro participou por videochamada de atos neste domingo (3) e teve mensagem divulgada nas plataformas por aliados.

Além da prisão domiciliar, o ex-presidente está proibido de receber visitas, a não ser de advogados e pessoas previamente autorizadas pelo STF. Ele também não pode utilizar celular, diretamente ou por intermédio de outras pessoas.

A análise de especialistas é que a manutenção das investidas da família e de aliados pode fundamentar uma prisão preventiva, a depender da publicação. Há divergências, no entanto, a respeito de como as decisões de Moraes podem ser interpretadas.

“As decisões deste processo, quaisquer que sejam daqui para frente, vão suscitar dúvidas interpretativas”, afirma Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM. “A dificuldade do direito é você achar uma coerência, uma razoabilidade.”

De acordo com o professor, “quando você não está navegando por mares que já foram navegados e que a gente já tem a tal da jurisprudência, fica mais difícil entender o porquê de os comportamentos serem tomados”.

Se ficar caracterizada uma manobra articulada para tentar burlar a proibição de usar celular e redes sociais, uma publicação de Carlos, Eduardo ou Flávio Bolsonaro poderia ser usada de base para uma decretação de prisão preventiva, afirma Crespo.

“Normalmente uma pessoa que está sem o celular não poderia ser responsabilizada por uma publicação de terceiro, mas, (…) se esse comportamento foi ajustado para que outra pessoa atuasse [em nome dela] de alguma forma organizada, isso poderia acontecer.”

Na decisão de segunda, Moraes apresenta publicações dos filhos do ex-presidente. Entre elas, está uma de Flávio em agradecimento aos Estados Unidos pelas sanções impostas ao ministro e outra de Carlos com um chamado para seus seguidores acompanharem as redes do pai.

Como mostrou a Folha de S.Paulo , as decisões anteriores de Moraes deixaram, na prática, ambiguidades e termos genéricos que mantiveram um cenário incerto sobre os limites impostos ao ex-presidente, também relacionado a publicações de terceiros.

O advogado e professor Ivan Zonta afirma que, considerando a tendência de se interpretar ações de terceiros como descumprimento atribuível a Bolsonaro, não seria de se surpreender que novas condutas de aliados prejudicassem o ex-presidente.

Se já há uma sinalização de que Moraes responsabilizaria Bolsonaro por entender que atos se enquadram como conluio, afirma, “nada impede que o ministro ou a corte, de forma colegiada, considerem condutas de terceiros como instâncias de descumprimento”.

Na decisão, o magistrado afirmou: “conforme tenho afirmado reiteradamente, a Justiça é cega, mas não é tola. A Justiça não permitirá que um réu a faça de tola, achando que ficará impune”.

Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, adota outra ótica. Para ele, a proibição de uso de redes sociais é voltada a Bolsonaro, direta ou indiretamente.

Um eventual uso indireto poderia ser caracterizado, em sua avaliação, se ele utilizar o telefone de um terceiro para fazer algo. Isso não aconteceria em caso de manifestações de terceiros em solidariedade ou a favor do ex-presidente.

“Você querer abrir uma conta no X [ex-Twitter] e se manifestar livremente não vai impactar em nada a situação do ex-presidente”, afirma Bottino. Ele aplica a mesma interpretação, em princípio, para publicações de aliados e filhos, mas haveria um risco de outra ordem.

“O risco que haveria é, por exemplo, um filho visitá-lo e dizer: ‘Estive com meu pai agora, e ele falou isso e disse aquilo’. Isso não pode”, diz o professor. “Isso seria Bolsonaro usando terceiras pessoas para intermediar a comunicação.”