SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sob a mira de um fuzil, um morador de rua chora enquanto conversa com policiais militares, coloca as mãos na cabeça e parece acatar as ordens que lhe são dadas. Ele é morto com três tiros de fuzil ao estender as mãos com calma à frente de seu corpo, aparentemente oferecendo-se para ser algemado.

É o que mostram as gravações da câmera corporal de um PM da noite de 13 de junho, uma sexta-feira. O morador de rua foi identificado como Jeferson de Souza, mas não teve idade e outros dados confirmados no processo judicial. Ele ficou mais de uma hora com os policiais, sem resistir à abordagem, antes de ser morto embaixo do viaduto 25 de Março, no Brás, região central de São Paulo.

As gravações, que não têm som, foram publicadas inicialmente pela TV Globo e obtidas também pela Folha de S.Paulo. O tenente Alan Wallace dos Santos Moreira e o soldado Danilo Gehrinh foram presos pela Corregedoria da PM e denunciados sob acusação de homicídio doloso (com intenção de matar).

Em depoimento na delegacia, os policiais alegaram que o morador de rua tentou tomar a arma de um deles e, por isso, foi morto com três tiros -um na cabeça, um na lateral do tórax e outro no braço direito. Apesar de as imagens não mostrarem com clareza a posição das mãos de Jeferson, essa versão contraria o que se percebe no comportamento de Jeferson ao longo de toda a gravação.

Conforme mostram as imagens, ele não faz movimentos bruscos no momento em que é alvejado, colocando suas mãos à frente do corpo lentamente. Vinte segundos antes de ser alvo dos tiros, ele estava com as mãos na cabeça e de costas para os policiais. O soldado Gehrinh, cuja câmera filma a ação, faz menção de segurar sua mão para algemá-lo.

Esse movimento é interrompido e o morador de rua se vira novamente de frente para os policiais -aparentemente obedecendo a uma ordem, pois não há reação imediata dos PMs.

Toda a abordagem tinha começado às 20h23, logo após a viatura da Força Tática do 7º Batalhão estacionar ao lado do viaduto. O morador de rua aparece nas imagens pela primeira vez descendo de uma árvore.

Ele é abordado e depois levado para trás de uma pilastra do viaduto, onde estaria escondido de câmeras de segurança na rua. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a câmera corporal do tenente Moreira, que dispara o fuzil, estava descarregada.

Às 21h24, quando Jeferson está sob a mira do fuzil, fica nítido que ele chora enquanto tenta conversar com os PMs. Ele morreria um minuto depois.

Cerca de quatro minutos após os disparos, quando outras viaturas da PM chegaram ao local para averiguar o que tinha acontecido, o soldado Gehrinh pressiona o botão de gravação e passa a registrar o áudio -até então, as imagens estavam sendo captadas automaticamente, o que ocorre sem o som.

Explicando-se a PMs de outra companhia, um dos policiais que participou da morte diz aos colegas: “Quando ele viu que ia perder, tentou a sorte”. Chamou também o morador de rua de “louco”.

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que a Polícia Militar adotou todas as providências cabíveis assim que teve ciência da ocorrência, mas não deixou claro o que de fato ocorreu.

“Após analisar as imagens registradas por uma das Câmeras Operacionais Portáteis (COPs), a corporação instaurou imediatamente um Inquérito Policial Militar (IPM), afastou os policiais envolvidos de suas funções operacionais e representou à Justiça pela prisão preventiva dos agentes, que foi decretada e cumprida na última terça-feira [22 de julho]”, afirmou.

Ainda de acordo com pasta, a utilização das COPs na ocorrência é apurada pela instituição. “Todos os equipamentos usados no 7º BPM/M foram substituídos recentemente, por modelos com mais autonomia e capacidade de bateria, além de novas funcionalidades.”

O Ministério Público afirmou que os policiais agiram “por mero sadismo e de modo a revelar absoluto desprezo pelo ser humano”.

“É certo que os denunciados Alan Wallace e Danilo, policiais militares no exercício de suas funções, agiram impelidos por motivo torpe, deliberando matar o suspeito por mero sadismo e de modo a revelar absoluto desprezo pelo ser humano e pela condição da vítima, pessoa em situação de vulnerabilidade social”, escreveu o promotor Enzo de Almeida Carrara Boncompagni, ao oferecer denúncia na Justiça comum contra os policiais.

O promotor afirmou ainda que o assassinato foi cometido com emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, a qual já estava rendida e subjugada pelos PMs quando foi baleada de forma repentina.