SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O aumento substancial da necessidade de energia elétrica para suprir data centers e indústrias hoje mais poluentes fez explodir a procura por turbinas para termoelétricas movidas a gás e obrigou empresas do setor a entrar numa fila de espera que pode ultrapassar quatro anos para receber os equipamentos.

A situação é mais crítica para empresas de geração térmica que pretendem participar do leilão de reserva de capacidade, a ser organizado pelo governo federal para garantir segurança ao sistema elétrico do país.

Inicialmente, o certame aconteceria em junho deste ano, mas disputas judiciais entre empresas do próprio setor motivaram seu cancelamento. A concorrência não deve acontecer antes do ano que vem, e o governo federal não anunciou ainda uma data.

Os custos das turbinas a gás são uma informação fundamental para o planejamento das empresas, já que representam entre 30% e 60% dos investimentos de uma nova usina (a depender do modelo da termelétrica), segundo especialistas do setor.

Mas, sem uma sinalização exata de quando o certame acontecerá, planejar se tornou uma tarefa difícil.

A Siemens Energy, por exemplo, uma das três grandes fornecedoras globais, diz não ter mais condições de entregar uma turbina nova em 2028 e 2029, quando as novas usinas deveriam começar a operar de acordo com as regras do leilão que foi cancelado. “Hoje, se você colocar um pedido, a gente não aceita. Já em 2030 podemos entregar, mas ainda será preciso instalá-la, o que demora mais alguns meses”, diz André Clark, vice-presidente da Siemens Energy Brasil.

Por essa lógica, ao menos na Siemens Energy, só conseguirão entregar uma usina termelétrica nova até o final desta década aquelas empresas que já reservaram um espaço na fila da fornecedora, o que exige pagamentos periódicos de 10% do preço de uma turbina -que chega a centenas de milhões de dólares.

“Os clientes precisam vir e comprar reserva de slot mesmo sem saberem se vão ganhar o leilão”, diz Clark. “Por isso foi tão grave cancelar o leilão para alguns deles, porque é como se fosse um aluguel equivalente. Esse é um jeito de ser justo, porque o Brasil precisa de turbinas, assim como a Arábia Saudita, a África, a Europa e os Estados Unidos; não dá para eu começar a fazer escolhas políticas.” As turbinas da Siemens Energy são feitas na Alemanha.

Para ele, os gastos maiores com essas reservas serão repassados ao consumidor por meio de deságios menores no leilão. Questionado, o Ministério de Minas e Energia disse que o leilão é uma prioridade desde 2023 e que atua para publicar suas diretrizes e sistemática para que o certame seja realizado “o mais brevemente possível”.

A procura intensiva por essas turbinas passa por conquistas do próprio setor de gás natural, que conseguiu que outras indústrias classificassem o combustível como um “combustível de transição”, ainda que sua queima emita muito mais gases do efeito estufa do que fontes limpas de eletricidade, como placas solares e turbinas eólicas. Além disso, a chegada de Donald Trump ao governo dos EUA facilitou o desejo das big techs de contratarem energia térmica para atender seus data centers, estruturas que consomem muita eletricidade.

Esses fatores, no entanto, demoraram a ser projetados pelas grandes fabricantes de turbinas, que não conseguiram expandir suas produções na mesma velocidade da demanda.

No Brasil, a contratação de termelétricas também deve crescer, à medida que a fatia das renováveis no sistema elétrico do país também cresça. Isso acontece porque as térmicas complementam a geração de energia quando não há sol e vento suficientes para atender o consumo do país, principalmente em épocas de seca.

Todo esse movimento pressionou a cadeia do setor. Além da Siemens Energy, a GE Vernova, outra líder global nesse mercado, anunciou em julho ter 25 GW em reservas de slots para equipamentos de termelétricas a gás. Só no segundo trimestre deste ano, a empresa, que opera sua fábrica nos EUA, registrou pedidos de 20 turbinas a gás, seis a mais do que o registrado no mesmo período de 2024.

“Continuamos a ver preços mais altos de turbinas e forte demanda, e ainda esperamos ter pelo menos 60 GW entre carteira de pedidos e acordos de reserva até o final do ano com melhores margens, com impulso significativo para 2026” afirmou o CFO da empresa, Ken Parks, em conversa com investidores.

A Mitsubishi Power, que fecha a lista das três grandes produtoras globais de turbinas a gás, não respondeu os questionamentos da Folha de S.Paulo, mas a reportagem apurou que a empresa, que fabrica seus equipamentos no Japão e monta alguns nos EUA, também já não tem mais turbinas para entregar no curto prazo.

“Hoje, se você quiser comprar uma máquina da Mitsubishi, você tem que ir ao Japão e implorar, sendo que antigamente o cara vinha no teu escritório”, afirma Rafael Coitinho, diretor de engenharia da Eneva, uma das principais donas de termelétricas do Brasil.

A Eneva é uma das empresas interessadas em participar do leilão. A companhia, dona de sete usinas movidas a gás natural, também tem enfrentado esses desafios na compra das turbinas. Coitinho diz que, para o próximo certame, a empresa ainda estuda se entrará na fila das fabricantes ou se buscará outras alternativas, como pagar mais caro pelos equipamentos em troca de um fornecimento mais ágil ou até comprar os equipamentos mesmo antes do leilão.

“É uma situação global que é difícil de entender, porque você sabe que os prazos de entrega estão mais longos e que existe uma grande procura, mas também você não pode sair a torto e a direito comprando tudo, porque você não sabe quando vai sair o leilão”, afirma Coitinho. Ele explica que as reservas têm prazo definido, que se não cumprido exige às empresas a fazerem pagamentos adicionais para continuarem na fila.

“E tem outra coisa: para você ter a certeza de que você vai implementar o projeto no tempo e no custo que você imaginou, você tem que definir a máquina, então se você perdeu a turbina que tinha, a probabilidade de ter uma naquele modelo e configuração que você queria é bem baixa”, acrescenta.

Situação semelhante acontece com a Diamante Energia, dona de uma térmica no complexo de Pecém, no Ceará. Pedro Litsek, CEO da empresa, diz ser importante que haja definição clara da data do leilão.

“A Siemens foi uma das empresas com quem a gente conversou e eles nos falaram sobre a necessidade de que, se a gente quisesse uma máquina grande, deveríamos pagar uma reserva, mas isso é muito complicado”, diz. “Imagina quem pagou a reserva e o leilão foi adiado? Quem apostou nisso está se arrependendo, porque era coisa de mais de US$ 1 milhão por mês, não reembolsável.”

Segundo ele, uma das alternativas encontradas pela empresa é buscar turbinas menores, que por terem um preço maior por cada quilowatt de potência não é tão demandada quanto os equipamentos maiores. “Mas, com isso, a pressão de preço vai se concretizar, porque você vai ter que optar por aquilo que há disponível, porque o ideal não tem, e isso afeta o deságio do leilão”, afirma.

Uma solução, aponta, seria o governo estender o prazo de entrega das novas usinas -o que, por outro lado, pode afetar a segurança energética do sistema se parte da potência não fosse atendida por térmicas já construídas. O formato do leilão cancelado permitia térmicas já existentes a participarem do certame.

O aumento da demanda global por energia gerada a partir de gás natural afeta também outros elos da cadeia. A Hitachi Energy, por exemplo, fabricante de transformadores no Brasil, também enfrenta gargalos no fornecimento em curto prazo.

“Hoje, se eu tivesse que fornecer em 2028 um equipamento que eu nunca projetei, eu não conseguiria atender nesse prazo”, diz Glauco Freitas, presidente da empresa no Brasil. A fábrica da Hitachi no Brasil também fornece equipamentos para EUA, Europa e Oriente Médio.

Presentes em todas as subestações integradas às usinas termelétricas, os transformadores são fundamentais para aumentar a tensão da energia gerada e garantir o escoamento da eletricidade para regiões distantes da usina.