SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está em prisão domiciliar após decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, que considerou que ele descumpriu medida cautelar imposta anteriormente.
A decisão foi proferida de ofício, ou seja, sem ser motivada por pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) ou da Polícia Federal.
A prisão do ex-mandatário ocorre no contexto de inquérito que investiga um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Essa investigação se relaciona à atuação do parlamentar no exterior a favor de sanções ao Brasil e a autoridades em troca de uma anistia que incluiria seu pai.
Para a PGR, essa atuação envolve os crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, coação e obstrução de Justiça. O texto também cita atentado à soberania, previsto no Código Penal.
Jair Bolsonaro passou a ser investigado pelos mesmos crimes do filho, mas é também réu em uma ação penal sobre a tentativa de golpe de 2022.
Na decisão, proferida nesta segunda-feira (4), o magistrado explica as razões da medida e o que o ex-mandatário pode ou não fazer.
Para elucidar detalhes da nova rotina de Bolsonaro e os próximos passos do caso, a Folha de S.Paulo ouviu Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, a criminalista Carolina Carvalho de Oliveira e Welington Arruda, mestre em direito e Justiça pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa). Eles explicam também o que é prisão domiciliar e expõe sua avaliação sobre o fato de ela ter sido determinada de ofício.
1) O que motivou a prisão?
O ex-presidente foi preso porque Moraes entendeu que ele descumpriu medida cautelar anterior de não usar as redes sociais, ainda que por meio de terceiros. Na decisão, o ministro diz que o político descumpriu a medida ao interagir com as manifestações bolsonaristas ocorridas em 3 de agosto.
Isso se deu quando o político apareceu em vídeos exibidos por apoiadores, a exemplo de ligação por chamada de vídeo com o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). A defesa de Bolsonaro afirma que ele não descumpriu a cautelar.
“Cabe lembrar que na última decisão constou expressamente que ‘em momento algum Jair Messias Bolsonaro foi proibido de conceder entrevistas ou proferir discursos em eventos públicos’. Ele seguiu rigorosamente essa determinação”, disseram em nota seus advogados.
A decisão de limitar o acesso às redes, que culminou na prisão, é considerada controversa no universo jurídico. Há aqueles que entendem que, como as redes sociais estavam sendo usadas para cometer o delito, elas poderiam ser alvo de restrição. Outros entendem que a medida é excessiva e configura censura agravada pelo fato de limitar a expressão de um político com milhares de apoiadores.
“Esta proibição não está elencada no rol de medidas cautelares diversas da prisão, sendo, pois, passível de discussão”, afirma Carolina Carvalho de Oliveira.
2) O que é a prisão domiciliar?
A prisão domiciliar é uma alternativa à prisão preventiva em regime fechado, explica Thiago Bottino. Prevista no artigo 318 do Código do Processo Penal, ela pode ser aplicada a pessoa:
maior de 80 anos; extremamente debilitada por motivo de doença grave; imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência; gestante; mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos; homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos de idade incompletos. Os especialistas afirmam que Moraes deve ter optado pela prisão domiciliar porque tem preferido medidas menos gravosas do que a prisão preventiva em regime fechado.
Para Bottino, o descumprimento da cautelar por Bolsonaro poderia ter gerado uma prisão em regime fechado. Ele entende que o político não se enquadra em nenhum dos requisitos acima, nem mesmo o que faz referência à condição de saúde. Isso porque o político tem demonstrado rotina ativa não compatível com extrema debilidade, avalia.
3) Há problema no fato de a decisão ter sido de ofício?
Os especialistas afirmam que, como a decisão se deu em razão de descumprimento de cautelar anterior, não há problema que ela tenha sido concedida de ofício.
“Uma vez que o juiz responsável pelo caso [Moraes] entende que houve um descumprimento, a decisão pode ser dada por ele”, afirma Carolina Carvalho de Oliveira.
A prisão domiciliar veio na esteira de medida cautelar decidida em 18 de julho em razão de representação da Polícia Federal, depois levada à PGR. Na ocasião, Bolsonaro começou a usar tornozeleira eletrônica e ficou proibido de usar as redes sociais, dentre outras medidas.
4) A decisão de domiciliar precisa, necessariamente, ser avaliada pelo colegiado?
Os especialistas afirmam que a decisão não precisa ser avaliada pelo colegiado, mas que isso pode ocorrer. Bottino lembra que Moraes optou por levar à Primeira Turma as cautelares anteriores, embora isso também não fosse indispensável.
“Algumas medidas que o juiz toma têm caráter decisório, de mérito, como o recebimento de denúncia e o julgamento. Isso é feito pelo colegiado. Mas os atos que são praticados no decurso do processo [como a cautelar] são de atribuição do relator”, explica Bottino.
5) O que acontece se os advogados de Bolsonaro apresentarem recurso contra a decisão?
A defesa disse na segunda-feira (3) que pretende recorrer da decisão da prisão domiciliar. Nesse caso, o recurso seria avaliado pela Primeira Turma, composta pelos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Flávio Dino e o próprio Moraes, afirmam Bottino e Wellington.
O colegiado, então, decide se mantém a decisão ou se determina a soltura, se compreender que não há requisitos para a domiciliar.
Carolina Carvalho de Oliveira, por sua vez, diz que a análise seria feita pelo próprio Moraes. Caso ele negue o recurso, aí sim novo pedido seria avaliado pela Turma. Ela lembra que pedidos de recurso não têm efeito suspensivo.
A defesa do político falou que vai entrar com o pedido e que Bolsonaro não descumpriu a cautelar.
6) Policiais vão monitorar Bolsonaro em casa? Como a prisão domiciliar é fiscalizada?
Carolina Carvalho de Oliveira explica que a decisão do ministro não explicita como se dará o monitoramento, que pode ser feito com a ajuda de policiais ou não.
Os especialistas lembram que o político segue de tornozeleira, recurso que já seria suficiente para sinalizar se a ordem é cumprida.
“O sistema de monitoramento indica se aquela tornozeleira eletrônica ultrapassou ou não o raio delimitado pelo sistema de geolocalização”, explica Welington.
7) O que Bolsonaro pode fazer na prisão domiciliar? Pode ir ao médico ou receber visita?
Os especialistas explicam que visitas e idas ao médico dependem de permissão judicial. Uma exceção são os advogados do político, que podem ter contato com o cliente quando quiserem.
A decisão do ministro aponta as seguintes restrições:
proibição de visitas, salvo dos advogados e outras pessoas previamente autorizadas; visitantes autorizados não podem utilizar celular, tirar foto ou gravar imagens; proibição de usar o celular ou as redes sociais, mesmo por intermédio de terceiros proibição de manter contato com embaixadores e outras autoridades estrangeiras, réus e investigados. Jair Bolsonaro tem contato com a esposa, Michelle, e a filha Laura em casa. Elas, entretanto, não podem ser usadas para burlar a proibição de Moraes de usar as redes sociais, explica Welington.
8) A prisão domiciliar pode ser revogada?
Os especialistas explicam que a prisão domiciliar pode ser revogada se Moraes entender que não há mais razões que a justifiquem. O magistrado também pode optar por uma medida mais gravosa, como a preventiva em regime fechado, se entender que Bolsonaro segue descumprindo as regras.
O ministro é explícito na decisão ao dizer que “o descumprimento das regras da prisão domiciliar ou de qualquer uma das medidas cautelares implicará na sua revogação e na decretação imediata da prisão preventiva”.