BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O novo modelo de crédito habitacional em discussão no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai fixar um prazo para o uso mais flexível da poupança pelas instituições financeiras. Ao fim do período, os bancos precisarão conceder novos financiamentos imobiliários para continuar usufruindo dos recursos da caderneta com maior liberdade na aplicação.

Técnicos envolvidos na discussão ainda trabalham na calibragem mais adequada, mas a tendência é que esse prazo fique em torno dos cinco anos.

O novo modelo de crédito habitacional prevê maior flexibilidade no uso de recursos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), que são uma fonte de captação mais barata para os bancos, pois a remuneração aos poupadores fica abaixo das taxas de mercado.

Hoje, os bancos recebem os depósitos dos clientes na poupança e precisam direcionar pelo menos 65% dos recursos para operações de financiamento imobiliário, além de deixar 20% do valor depositado compulsoriamente no BC.

No novo modelo, não haverá direcionamento da poupança para o crédito imobiliário, nem depósito compulsório. O dinheiro da caderneta ficará sem carimbo, e o banco poderá usá-lo para fazer outras aplicações com rendimentos maiores, desde que tenha concedido financiamentos habitacionais em valor correspondente.

A avaliação é que o desenho deve incentivar um crescimento exponencial do estoque de crédito imobiliário no país, hoje em torno de 10% do PIB (Produto Interno Bruto). O patamar está abaixo do observado em países como Chile, Colômbia e África do Sul, onde a modalidade corresponde a 20% a 30% do PIB.

Estimativas internas indicam a possibilidade de o Brasil dobrar o estoque de crédito habitacional em uma década a partir da implementação das novas regras.

Os detalhes finais do novo modelo estão sendo fechados pela Casa Civil, pelos ministérios da Fazenda e das Cidades e pelo Banco Central. A Caixa Econômica Federal, principal operadora do crédito habitacional, também participa das discussões.

A intenção do governo é lançar as novas regras até o fim de agosto, quando haverá reunião do CMN (Conselho Monetário Nacional), colegiado responsável pela formulação da política de moeda e crédito. O conselho é formado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento) e pelo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.

A intenção é quebrar o vínculo direto que existe hoje entre poupança e crédito imobiliário e incentivar a migração para fontes de financiamento (funding) de mercado, usando instrumentos que já existem, como a LCI (Letra de Crédito Imobiliário).

Os ganhos obtidos pelas instituições com o uso flexível da poupança, por sua vez, seriam usados para manter juros menores no crédito habitacional, amenizando o repasse do custo de mercado para os mutuários. Simulações feitas pelos técnicos indicam que usar a poupança para fazer essa equalização é suficiente para manter estável o custo do crédito imobiliário para os tomadores.

Na prática, o novo modelo funcionará da seguinte maneira: o banco empresta R$ 100 em crédito imobiliário, tendo como fonte de recursos R$ 100 captados no mercado por meio de LCI. A concessão do financiamento habitacional desbloqueia R$ 100 da poupança para uso livre.

A ideia é que a transição seja feita de forma gradual, conforme os atuais contratos de financiamento forem sendo quitados, e os recursos da poupança, devolvidos. Hoje, o estoque de crédito com dinheiro do SBPE está em torno de R$ 800 bilhões, dos quais R$ 40 bilhões são amortizados (e concedidos novamente) todo ano.

O novo modelo, porém, já teria no primeiro ano um montante maior do que esses R$ 40 bilhões. Como a proposta dispensa o compulsório, outros R$ 8 bilhões (em números aproximados) ficarão disponíveis para as instituições financeiras e poderão ser acessados se elas concederem crédito imobiliário em valor correspondente.

Além disso, o governo vai alterar regras que hoje permitem contabilizar como crédito imobiliário operações do FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), fundo público criado para regularizar passivos do antigo sistema de habitação, e prejuízos acumulados em função de aquisições feitas no passado.

A ideia é não mais permitir essa contabilização, pois não são operações típicas de crédito habitacional. Na prática, os bancos precisarão ampliar a concessão de financiamentos para seguir acessando os recursos da poupança. Só no FCVS, o estoque fica em torno de R$ 45 bilhões. O fim da contabilização (e a respectiva compensação via novas concessões de crédito) também será gradual, à medida que houver rolagem desses contratos antigos.

Na avaliação dos técnicos, a ampliação do crédito imobiliário a partir do novo modelo será exponencial no tempo, em parte por causa do prazo de cinco anos para uso livre dos recursos da poupança. Quando esse período chegar ao fim, os bancos precisarão conceder financiamentos não só para acessar novos recursos em meio à transição, mas também para manter o uso daqueles que já estão aplicados.

Segundo um participante das discussões, não haverá mudança nas regras do SFH (Sistema Financeiro de Habitação), que financia imóveis de até R$ 1,5 milhão. Na prática, porém, como não haverá mais vinculação direta entre poupança e crédito imobiliário, as instituições terão mais discricionariedade para decidir como emprestar os recursos. A avaliação dos técnicos é que o SFH sozinho não conseguiria absorver toda a oferta de crédito que será gerada pelo novo modelo.

Ao quebrar a vinculação direta entre poupança e crédito habitacional, os técnicos também esperam criar condições para a securitização desses contratos, operação na qual o banco credor vende no mercado os direitos sobre a cobrança das parcelas. Ainda que mediante algum desconto, a instituição antecipa o recebimento dos valores e consegue ter mais fontes de recursos para conceder novos financiamentos.

Hoje, o mercado secundário de crédito imobiliário tem pouca viabilidade no Brasil, porque a maior parte dos contratos é remunerada por uma taxa de juros fixa mais TR (Taxa Referencial), abaixo dos retornos de mercado, usualmente atrelados a IPCA ou CDI mais algum ganho.

Essa segunda etapa, porém, também vai depender de outra medida em estudo no governo, para destravar a linha de crédito imobiliário atrelada ao IPCA.

Lançada em 2020, a modalidade perdeu atratividade após a aceleração da inflação, que fechou o ano de 2021 em 10,06% e deflagrou uma série de processos de portabilidade de financiamentos, devido ao impacto da correção sobre o saldo da dívida.

Nas condições atuais, a prestação inicial de um financiamento imobiliário corrigido pela inflação é até 30% menor do que um contrato atrelado à TR. A proposta é criar um adicional de amortização no começo do contrato, para que o mutuário comece pagando uma parcela mais próxima da que seria cobrada no contrato com TR. Se a inflação acelerar, em vez de a prestação subir, ela cairia menos do que o previsto pelo SAC (Sistema de Amortização Constante), ou ficaria no mesmo patamar.