SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um caminhoneiro pode sair rumo ao seu destino sabendo exatamente onde há mais incidência de acidentes, de tráfego ou de furto de cargas. Quando entra em uma área urbana, seu veículo “sabe” que é necessário diminuir a velocidade. O sistema ainda detecta sinais de fadiga ao volante.
Esses são alguns dos recursos da combinação entre telemetria, conectividade e IA (inteligência artificial), já colocados em prática por fabricantes de veículos pesados.
“Em 2019, entendemos que havíamos juntado muitos dados e que deveríamos transformá-los em informação inteligente. Foi quando entrou a IA, transformando esses dados em valor”, diz Marcelo Gallao, diretor de desenvolvimento de negócios da Scania.
Uma das métricas desenvolvidas atribui notas ao comportamento na direção. “Normalmente, quem conduz de maneira mais segura acaba economizando combustível. Entre as notas A e E, notamos uma diferença de 15% no consumo”, afirma o executivo.
Nos caminhões da Mercedes-Benz, a plataforma Uptime utiliza algoritmos e ferramentas de IA para acompanhar e prever o melhor momento para o veículo passar pelas revisões. Há ainda o FleetBoard, sistema de gestão de frota que monitora em tempo real o desempenho do caminhão e do motorista. São recursos presentes em modelos como o novo Axor, lançado na última semana.
“Por meio de algoritmos que levam em conta a posição e a variação do pedal do acelerador e de quantas vezes o freio de serviço foi acionado, é possível identificar e orientar motoristas para que façam uma condução mais defensiva”, explica Jefferson Ferrarez, vice-presidente de vendas e marketing do setor de caminhões da Mercedes-Benz do Brasil.
Fabricantes de pneus também entraram no jogo. Em parceria com a ZF, a Goodyear criou o Mobility Cloud, uma plataforma web que acumula milhares de dados extraídos de sensores espalhados pelo caminhão. O gestor de frotas pode, por exemplo, obter informações sobre a pressão e a temperatura dos pneus, a fim de otimizar o uso do veículo e a durabilidade do componente.
“A Goodyear realizou pesquisas no Brasil para validar o impacto da tecnologia e da agenda preventiva e corretiva na performance dos pneus. Encontramos uma média de 13% de aumento de performance de quilometragem, além de garantir que os pneus rodaram com a pressão e a temperatura corretas”, afirma Fernanda Baré, Gerente sênior de serviços e soluções da Goodyear do Brasil.
Há, contudo, o risco de vazamento de dados. Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, o processamento de grandes volumes de informação, como rotas, tipos de carga, números de faturamento e monitoramento dos motoristas podem resultar na exposição de segredos comerciais e informações confidenciais de clientes.
“A implementação de protocolos de segurança robustos, como criptografia de ponta a ponta para dados em trânsito e em repouso, é fundamental para prevenir acessos não autorizados”, diz a advogada Karim Kramel, sócia da DDA e especialista em compliance e direito digital.
“É igualmente crucial desenvolver e aplicar políticas claras de governança de dados, que definam quais informações são coletadas, como são utilizadas, com quem podem ser compartilhadas e por quanto tempo são armazenadas”, complementa.
Thelis Botelho, CEO da CarboFlix, que gerencia um aplicativo de benefícios para caminhoneiros, segue a mesma linha de orientações. “É essencial que as empresas sejam transparentes sobre a coleta e o uso dos dados, deixando claro quais informações estão sendo registradas, para qual finalidade e por quanto tempo ficarão armazenadas.”
Já Moritz Neto, fundador da Unfair Advantage, grupo de empresas que lidam com IA nos negócios, diz que a chegada da nova tecnologia exige maior cuidado com dados pessoais.
“A LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais] no Brasil e outras normas internacionais já fornecem a diretrizes, mas o avanço da IA embarcada em veículos demanda regras próprias, especialmente no que tange à responsabilidade em caso de falha ou uso indevido desses dados entre sistemas autônomos”, afirma.