BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma licitação de R$ 142 milhões constante do programa de intervenções para a COP30, em Belém, é alvo de investigação no STF (Supremo Tribunal Federal) após a Procuradoria-Geral da República apontar suspeita de corrupção envolvendo o secretário de Obras Públicas do governo Helder Barbalho (MDB-PA) e o deputado federal aliado Antonio Doido (MDB-PA).
De acordo com petição encaminhada ao STF no final de fevereiro pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, à qual a Folha de S.Paulo teve acesso, diversos elementos “reforçam a suspeita de corrupção de agentes públicos para viabilizar a adjudicação [a entrega à empresa vencedora] da obra”.
O caso, que está em investigação da Polícia Federal sob relatoria do ministro Flávio Dino, foi revelado nesta segunda-feira (4) pelo site Metrópoles.
Em nota, o governo de Helder Barbalho afirmou que a concorrência investigada foi revogada em dezembro de 2024 “por razões estritamente técnicas, devidamente fundamentadas e publicadas nos canais oficiais” e que “embora tenha sido avaliado nos estudos iniciais que mapearam demandas de infraestrutura para a COP30, o projeto não integrou o pacote final de obras do evento e, portanto, não está relacionado a serviços ou investimentos vinculados à conferência”.
De acordo com o pedido de instauração de inquérito feito por Gonet ao STF, a suspeita sobre a obra da COP30 teve início em outubro de 2024 após a prisão em Belém de um policial militar e outras duas pessoas com R$ 5 milhões em dinheiro vivo, após uma denúncia anônima.
Francisco de Assis Galhardo do Vale, tenente-coronel da PM do Pará, é apontado como coordenador de uma rede de policiais que faziam volumosos saques em dinheiro da conta de empresas que seriam controladas pelo deputado federal Antônio Doido e que movimentaram R$ 1 bilhão em contratos com o governo e municípios do Pará.
Com base em diálogos recuperados nos aparelhos celulares dos presos, a Polícia Federal identificou mensagens trocadas pelo PM com o secretário de Obras Públicas do estado, Benedito Ruy Cabral.
Essas mensagens tiveram início no dia 20 de setembro de 2024, mesma data em que um consórcio formado por empresas que seriam controladas por prepostos de Antonio Doido sua mulher, Andréa Costa Dantas, e o gerente de uma fazenda sua, Geremias Cardoso da Hungria venceu a licitação para obra de ligação da rua da Marinha até o Canal Bengui, em Belém.
Nesse dia, o PM teria sacado R$ 6 milhões em espécie de uma agência do Banco do Brasil e ligou para um contato do seu aparelho identificado como “Rui Secretário”, que seria o secretário de Obras Públicas, ordenador da licitação.
“As mensagens interceptadas indicam a intenção de se encontrarem de forma presencial, pouco mais de duas horas após o consórcio ter sido declarado habilitado”, escreveu o procurador-geral da República na petição.
De acordo com mensagens do celular do PM, após ele dizer a Ruy Cabral que estava em frente à secretária, recebeu como resposta: “Entra. Vem. Na minha porta atrás”.
O encontro, acrescenta Gonet, não teria se concretizado na data, mas quatro dias depois, em 24 de setembro.
“É relevante notar que a habilitação do Consórcio Perna Norte [formado pelas empresas que seriam controladas pelo deputado federal] foi revogada em 15 de janeiro de 2025, possivelmente em razão das sucessivas denúncias que questionavam a lisura do procedimento licitatório”, relatou ainda o procurador-geral da República, acrescentando que as investigações sugerem os crimes de corrupção passiva e ativa.
OUTRO LADO: GOVERNO DO PA DIZ QUE LICITAÇÃO SEGUIU TRÂMITE REGULAR, MAS FOI CANCELADA POR RAZÕES TÉCNICAS
A nota do governo do Pará diz também que as empresas J.A Construcons e JAC Engenharia segundo a PF e a PGR controladas por prepostos de Antonio Doido firmaram contratos exclusivamente por meio de “licitações regulares, em conformidade com a legislação vigente e os princípios constitucionais, com toda a documentação disponível nos portais oficiais de compras públicas”.
O executivo estadual não respondeu especificamente à pergunta sobre havia conhecimento que o consórcio vencedor da obra e de outras licitações era formado por pessoas ligadas ao deputado aliado ao governador.
“O Governo do Pará reitera que não foi acionado ou notificado sobre qualquer procedimento investigativo relacionado às contratações citadas e que, caso isso ocorra, adotará imediatamente as medidas cabíveis e apresentará todas as informações necessárias para a apuração dos fatos, reafirmando seu compromisso com a probidade e a transparência na gestão pública.”
Sobre as mensagens entre o PM preso e o secretário de Obras Públicas, o governo do Pará disse que Benedito Ruy Cabral “jamais celebrou contratos ou manteve relações comerciais com integrantes da Polícia Militar do Pará, não participou de reuniões com o policial mencionado, não recebeu bens, valores ou benefícios e não foi notificado sobre investigação que o envolva”.
A nota prossegue dizendo que a interlocução do secretário com órgãos públicos e representantes da sociedade civil “ocorre exclusivamente para atender ao interesse público, sem qualquer vínculo de natureza privada”.
A Folha de S.Paulo mandou mensagens na tarde desta segunda-feira para o telefone celular de Antonio Doido, mas após uma breve reposta inicial, o deputado federal não respondeu aos questionamentos.