SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A professora aposentada de sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e psicanalista Irene Cardoso morreu aos 79 anos nesta segunda-feira (4), em São Paulo. A causa principal foi um câncer de cólon que se desenvolve no intestino, segundo a família.
Na carreira acadêmica, Irene se destacou com estudos sobre a fundação da USP e a Batalha da Maria Antônia, como ficaram conhecidos os confrontos de outubro de 1968 entre estudantes da universidade estadual e do Mackenzie.
Nascida em setembro de 1945, filha de um médico simpatizante do Partido Comunista, Irene entrou no curso de pedagogia aos 18 anos e acompanhava, em paralelo, aulas de ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, hoje FFLCH. Após a graduação, voltou-se para a sociologia no mestrado e no doutorado.
“O pessoal, em geral, entrava na faculdade e virava marxista. Eu entrei marxista e fui conhecendo outros autores e perspectivas”, disse à revista Tempo Social em 2010. Nessa época, foi influenciada por pensadores como o alemão Max Weber (1864-1920) e o húngaro Karl Mannheim (1893-1947).
Tornou-se professora no início dos anos 1970, quando atuou como assistente de José de Souza Martins. “Além de bastante comprometida, era intelectualmente muito sólida”, lembra o amigo Sérgio Adorno, aluno dela nessa época e hoje professor sênior do departamento de sociologia da USP.
“Ela introduziu na sociologia brasileira temas como a memória, que hoje estão consagrados”, afirma.
Sua tese de doutorado foi publicada no livro “A Universidade da Comunhão Paulista” (ed. Cortez) e passou a ser referência nos debates sobre o contexto político em que a USP foi criada, em 1934.
Para a socióloga, a atuação de professores estrangeiros, especialmente franceses, nas ciências humanas nesta fase inicial da universidade contribuiu para que a instituição escapasse da instrumentalização política levada adiante por parte da elite paulista. Na tese, Irene se debruçou sobre o jogo de forças na universidade nesse período.
“Para uma Crítica do Presente” (ed. 34), sua tese de livre-docência que também saiu em livro, reúne 15 ensaios da professora sobre o episódio de destruição do prédio da Maria Antônia.
Ao lado de Abilio Tavares, ela também foi responsável pela organização do “Livro Branco sobre os Acontecimentos da rua Maria Antônia” (Edusp), publicado em 2018, quando a ditadura militar completava 50 anos. A obra se baseia em relatórios feitos por uma comissão de professores da USP, meses depois dos conflitos.
Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora da universidade e colega de Irene no corpo docente da sociologia, diz que se acreditava até alguns anos atrás que esses documentos tinham desaparecido, mas o professor e crítico de literatura Antonio Candido (1918-2017) havia guardado uma cópia e entregou uma caixa com os relatórios a Irene, que preparou o “Livro Branco”.
Atualmente, esses relatórios estão arquivados no IEB (Instituto de Estudos Brasileiros).
Até o começo dos anos 1970, existia na universidade o departamento de ciências sociais, com três áreas: sociologia, ciência política e antropologia. Segundo Maria Arminda, Irene exerceu papel relevante na transição para que a sociologia ganhasse seu departamento próprio.
“Ela foi uma figura marcante na sociologia não só do ponto de vista intelectual, mas também institucional”, diz a vice-reitora.
Aposentada nos anos 2000, Irene tornou-se psicanalista. Foi uma das organizadoras do livro “Utopia e Mal-Estar na Cultura – Perspectivas Psicanalíticas” (ed. Hucitec).
Manteve, porém, ligação com o ensino. Nilton Ota, hoje professor de psicologia da USP, foi orientado por ela no mestrado e no doutorado. “A qualidade dela na escuta das pessoas era impressionante”, diz.
O velório será realizado nesta terça-feira (5), a partir das 10h no cemitério Santíssimo Sacramento, na avenida Dr. Arnaldo, 1.200, Sumaré, zona oeste de São Paulo. O sepultamento está previsto para 14h.