SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A participação de Jair Bolsonaro (PL) por videochamada nos atos de domingo (3) e a divulgação de saudação do ex-presidente nas redes do filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ) abriram brecha para a prisão domiciliar decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), avaliam especialistas ouvidos pela reportagem.
O magistrado afirmou que o ex-presidente descumpriu medidas cautelares. Proibido de usar redes sociais, diretamente ou por meio de terceiros, Bolsonaro acompanhou as manifestações a distância, apareceu em vídeo e afirmou em mensagem divulgada em lista de transmissão: “Obrigado a todos”, “pela nossa liberdade”.
Os especialistas ouvidos pela reportagem concordaram que, caso ficasse comprovada a existência de coordenação e uso das publicações como forma de contornar as restrições, a conduta poderia configurar descumprimento das medidas cautelares pelo ex-presidente.
Por outro lado, eles divergiram sobre a existência de elementos para afirmar que isso ocorreu e se o conteúdo justificaria a decretação da prisão.
Maria Carolina Amorim, presidente da Comissão de Direito Penal do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), afirmou entender que houve descumprimento da decisão de julho de Moraes, a qual esclarecia, segundo ela, que a replicação de discursos ou de entrevistas reiterando, nas redes sociais, afirmações ilícitas, caracterizaria violação.
A criminalista disse que o ministro teria tecnicamente elementos para decretar a prisão. De acordo com ela, “caso se comprove que Jair Bolsonaro anuiu ou foi conivente com a postagem de seu filho Flávio, é certo ter havido o dolo de descumprimento da cautelar imposta e o menosprezo à decisão judicial”.
Após divulgar o vídeo, Flávio apagou a publicação. Depois, ele afirmou: “Na minha opinião não havia problema, já que ele faz apenas uma saudação. Não falou de processo, que é a vedação da cautelar. Mas os advogados dele estavam em dúvida e pediram pra retirar. É uma insegurança jurídica sem precedentes na história do Brasil.”
Professor de direito penal da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Antônio José Teixeira Martins afirmou que o ex-presidente deveria saber que sua participação nos atos seria retransmitida pelas redes sociais, algo comum nesse tipo de evento, e disse que o fato de Flávio ter apagado a publicação não elimina o descumprimento da medida cautelar.
“Não há dúvida de que de fato houve, com o consentimento dele, uma utilização de redes sociais de terceiros para que ele pudesse se manifestar. No meu entender, claramente, há uma burla da proibição. Isso é inafastável”, afirma Martins.
Helena Lobo da Costa, professora de direito penal da USP, afirma, por outro lado, que as ações praticadas por Bolsonaro no domingo são difíceis de avaliar e se encontram em uma linha divisória entre o eventual descumprimento ou não das medidas cautelares, que visam inibir a prática reiterada de delitos e proteger o curso normal do processo judicial.
O ex-presidente é investigado no STF por coação, obstrução de justiça e atentado à soberania nacional. Segundo Mores, existem indícios de que ele estaria fomentando uma “campanha criminosa”, ao lado do filho Eduardo Bolsonaro, para interferir no andamento da ação penal na qual é réu e que visa apurar suposta tentativa de golpe de Estado em 2022.
“A breve manifestação não parece ter um conteúdo mais profundo no sentido de influenciar o processo ou de significar esse atentado à soberania. Por outro lado, há um contexto nas manifestações que aconteceram, principalmente em São Paulo e no Rio, de declarações muito evidentes de apoio ao Trump e às tarifas, que têm muito a ver com a soberania”, afirma Costa.
Para Raquel Scalcon, professora de direito penal da FGV Direito SP, também seria necessário avaliar se houve coordenação entre Bolsonaro e Flávio. Ela afirma que, embora seja possível sustentar essa linha argumentativa, não se pode presumir, automaticamente, que a publicação foi feita com conhecimento ou determinação do ex-presidente.
Segundo a professora, a situação é ambígua e dependeria da interpretação do ministro. “Me parece que, do ponto de vista material, este vídeo não tem relação com esses crimes. Então, seria possível argumentar que, do ponto de vista formal, houve uma violação, mas, do material, não tem pertinência”, afirma.