SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Representantes de quase 180 países se reunirão a partir desta terça-feira (5) na Suíça para uma nova e crucial etapa diplomática na busca pelo primeiro tratado mundial para eliminar a poluição plástica.

Em um contexto de fortes tensões geopolíticas e comerciais, a sessão de 10 dias (denominada INC-5.2) foi convocada após o fracasso da rodada organizada na Coreia do Sul, em dezembro, presidida pelo diplomata equatoriano Luis Vayas Valdivieso. Na ocasião, um grupo de países produtores de petróleo bloqueou qualquer avanço.

Diplomatas e defensores do clima alertam que os esforços da União Europeia e pequenos estados insulares para limitar a produção de plástico —alimentada por petróleo, carvão e gás— estão ameaçados pela oposição de países produtores petroquímicos e pela administração dos Estados Unidos sob Donald Trump.

As questões mais divisivas incluem a limitação da produção, o gerenciamento de produtos plásticos e produtos químicos preocupantes, e o financiamento para ajudar países em desenvolvimento a implementar o tratado.

Delegados informaram à Reuters que estados petrolíferos, incluindo Arábia Saudita e Rússia, planejam desafiar disposições-chave do tratado e pressionar por medidas voluntárias ou nacionais, dificultando o progresso em direção a um acordo legalmente vinculativo para enfrentar a causa raiz da poluição plástica.

Porta-vozes dos governos da Arábia Saudita e da Rússia não estavam imediatamente disponíveis para comentar.

CRISE AMBIENTAL E SANITÁRIA

Se nada for feito, o consumo mundial de plástico poderá triplicar até 2060, segundo as projeções da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, sufocando oceanos, prejudicando a saúde humana e acelerando a mudança climática.

Além disso, a quantidade de resíduos plásticos no solo e nos cursos de água, dos picos das montanhas até os oceanos, dobrará até 2040, de acordo com o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), que coordena as negociações da ONU.

O planeta produz atualmente 460 milhões de toneladas de plástico por ano, metade delas descartáveis. E recicla menos de 10% dos resíduos plásticos.

Com a decomposição em micro e nanoplásticos que contaminam os ecossistemas, os polímeros penetram no sangue e nos órgãos humanos, segundo estudos recentes. As consequências, ainda amplamente desconhecidas para a saúde das gerações atuais e futuras, são denunciadas por um grupo de quase 450 cientistas de 65 países que acompanham os debates.

NEGOCIAÇÃO DIFÍCIL

Andres Del Castillo, advogado sênior do Centro para o Direito Ambiental Internacional (CIEL), uma organização sem fins lucrativos que fornece assessoria jurídica a alguns países participantes das negociações, disse que os estados petrolíferos estão questionando até mesmo fatos básicos sobre os danos à saúde causados pelos plásticos.

“Estamos em um momento de revisionismo, onde até a ciência é altamente politizada”, disse ele.

O Departamento de Estado dos EUA informou à Reuters que liderará uma delegação apoiando um tratado que não imponha restrições onerosas aos produtores que possam prejudicar as empresas americanas.

Uma fonte familiarizada com as negociações disse que os EUA buscam limitar o escopo do tratado em questões como descarte de resíduos, reciclagem e design de produtos.

Isso ocorre enquanto a administração Trump revoga políticas ambientais, incluindo uma constatação científica de longa data sobre o impacto das emissões de gases de efeito estufa.

Mais de 1.000 delegados, incluindo cientistas e lobistas petroquímicos, participarão das negociações. Defensores de um acordo ambicioso estão preocupados que a influência da indústria possa criar um acordo diluído focado apenas no gerenciamento de resíduos, em vez de limitar a produção.

Apesar da extrema complexidade da negociação, a dinamarquesa Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma, declarou recentemente que “é bastante provável sair de Genebra com um tratado”.

PONTOS MAIS SENSÍVEIS

O equatoriano Valdivieso publicou, após o fracasso do encontro na cidade sul-coreana de Busan, um rascunho do texto com mais de 300 pontos de divergências que deverão ser negociados até 14 de agosto, antes da conclusão de um tratado.

O mais difícil é incluir (ou não) uma limitação da produção de plásticos novos, explica Saeed Hamid, membro de uma coalizão que reúne 39 Estados insulares. Países produtores de petróleo não aceitam ouvir falar de tal possibilidade.

“Esta é realmente nossa última melhor chance”, ressaltou Ilana Seid, representante permanente de Palau e presidente da Aliança dos Pequenos Estados Insulares. “À medida que a poluição cresce, ela aprofunda o fardo para aqueles que são menos responsáveis e menos capazes de se adaptar”.

Pequenos estados insulares são particularmente impactados pelo lixo plástico que chega às suas costas, ameaçando suas economias de pesca e turismo. Eles enfatizam a necessidade urgente de financiamento internacional dedicado para limpar a poluição existente.

Outro ponto delicado é a elaboração de uma lista de produtos químicos considerados “problemáticos” para a saúde ou o meio ambiente, como os PFAS, conhecidos como “poluentes eternos”; disruptores endócrinos; ftalatos e bisfenol.

Bjorn Beeler, diretor da Rede Internacional de Eliminação de Poluentes, disse à AFP que ninguém quer que haja uma nova rodada de negociações depois dessa. “Então, o caminho mais provável é um esboço que será chamado de tratado, mas que precisará de financiamento, coragem e alma para ser realmente eficaz”, disse.

Em junho, durante a conferência da ONU sobre os oceanos em Nice, na França, 96 países —de pequenos Estados insulares até o Zimbábue, passando por México, Senegal e os 27 da União Europeia— pediram um tratado ambicioso que inclua um objetivo de redução da produção e do consumo de plásticos.

“Nesta negociação final, os governos devem agir de acordo com o interesse das pessoas, não dos poluidores”, afirmou Graham Forces, do Greenpeace.