BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O plano em elaboração pelo governo para minerais estratégicos se arrasta no governo mesmo com a crescente demanda estrangeira pelos materiais. Representantes da gestão de Donald Trump têm demonstrado insatisfação e apontado que o tema é mais um ingrediente de desconforto na relação com a gestão Lula (PT).

O ritmo contrasta com a urgência adotada por outros países na obtenção e no processamento de minerais críticos, aqueles essenciais para equipamentos de alta tecnologia, como nióbio, grafite (grafeno), níquel e terras raras, e cuja falta pode causar graves impactos econômicos.

O governo Trump já sinalizou que o acesso a esses itens será um componente central de sua politica externa e tem demonstrado isso na relação com diferentes países, como Ucrânia, China e o próprio Brasil.

O interesse dos Estados Unidos nos minerais críticos foi exposto de forma clara numa entrevista à Folha, em maio de 2024, da então embaixadora do governo Joe Biden no Brasil, Elizabeth Bagley.

“Estamos discutindo minerais críticos, temos o G20 e a Parceria para Infraestrutura e Investimento Global [resposta ainda incipiente dos EUA à Iniciativa Cinturão e Rota, da China]”, disse. “Queremos definitivamente trabalhar com o Brasil, especialmente com minerais críticos, hidrogênio verde.”

A entrevista foi considerada simbólica por integrantes do setor. A avaliação é que governo Lula ignorou os sinais emitidos antes mesmo de Trump retornar à Casa Branca.

O tema voltou a ganhar destaque nas últimas semanas, depois que o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA, Gabriel Escobar, afirmou durante encontro com o setor que os EUA têm interesse nos minerais críticos em solo brasileiro, em meio à taxação adicional imposta a produtos brasileiros por Trump.

O interesse dos Estados Unidos foi logo reportado pelo presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), Raul Jungmann, ao vice-presidente Geraldo Alckmin e ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

A preocupação dos americanos com o tema é crescente devido ao cenário de dependência do fornecimento externo, em grande parte da China.

Um estudo da consultoria Deloitte, concluído há pouco mais de dois meses, apontou que, dos 50 elementos considerados críticos para a economia e a segurança nacional dos EUA, 12 vêm totalmente de estrangeiros. No caso de outros 29 minerais a dependência externa é de mais de 50%.

A dependência da China, líder global em extração e refino de minerais desde a década de 1990, causa especial temor. O país restringiu exportações de gálio, germânio e antimônio em 2023 e, em dezembro de 2024, chegou a proibir a exportação desses minerais para EUA, Japão e Holanda.

“Se as principais indústrias dos EUA -da manufatura avançada à energia, semicondutores e aplicações de defesa- continuarem a depender de cadeias estrangeiras de suprimentos de minerais, os EUA ficarão cada vez mais vulneráveis a potenciais interrupções dessas mesmas cadeias de suprimentos e indústrias”, afirma o relatório dos analistas.

O cenário era diferente até a década de 1980, quando os EUA lideravam a produção e o refino das chamadas terras raras (conjunto de 17 minerais usados em diferentes segmentos, inclusive em equipamentos militares).

Mas a globalização das cadeias, os altos custos de produção domésticos, os desafios ambientais e a redefinição de prioridades nos investimentos governamentais contribuíram para um declínio doméstico tanto na extração quanto no processamento.

A retomada da força americana nessa área tem atravessado governos nos EUA desde o presidente Barack Obama (2009 a 2017). Mas a gestão de Donald Trump tem intensificado os esforços, com cinco decretos recentes sobre o tema.

As medidas de Trump buscam aumentar a produção mineral dos EUA e fazer os americanos dominarem a área dos minerais críticos. De forma mais específica, incluem a agilização de licenças, a revisão de regulamentações, concessão de financiamento e abertura de terras federais e bases militares para mineração e processamento. Os analistas da Deloitte sugerem aos EUA parcerias com nações amigas para atingir os objetivos.

No Brasil, a intenção do governo de apresentar um plano voltado a minerais estratégicos já é anunciada desde o primeiro ano do atual mandato de Lula. Apesar das sucessivas promessas de uma proposta que atacasse os gargalos do setor e elevasse a produção, o documento nunca foi concluído e apresentado.

Poucos dias antes da confirmação por Trump do tarifaço, o ministro Alexandre Silveira fez questão de ressaltar, em entrevista ao C-Level, videocast da Folha, que o plano para minerais críticos deve ser concluído até o fim do ano. De acordo com ele, o próprio presidente Lula tem participado dos debates sobre o tema.

Os críticos apontam que Silveira tem dedicado apenas 2% da sua agenda no ministério à área da mineração. Empresas do setor veem oportunidade de firmar parcerias para desenvolver tecnologias de refino, mas, em função da sensibilidade do tema, a cautela tem marcado as discussões.

A importância desses materiais cresceu ainda mais nos últimos anos devido à demanda impulsionada pela transição energética -em especial, pelo uso dos materiais em baterias, carros elétricos e torres de energia eólica.

A visão do governo brasileiro é que a mineração de lítio, por exemplo, precisaria se multiplicar por 40 nos próximos 20 anos para dar conta da demanda. No caso do grafite, seriam 25 vezes. A de cobre teria que dobrar. O governo afirma que o Brasil pode se tornar um ator central no abastecimento mundial.

Segundo Silveira, o plano terá como diretriz o desenvolvimento de uma indústria que agregue valor em território nacional aos minerais extraídos.

Outro documento ainda em elaboração é o Plano Nacional de Mineração para 2050, que reúne as diretrizes de longo prazo para o setor e cuja última versão foi publicada há 14 anos. O processo de formulação começou em 2021. A consulta pública foi encerrada no começo de 2023 e, até agora, o documento final não foi publicado.

Por enquanto, o que ficou pronto é o rascunho do plano. Ele traça como desafios promover a melhoria do ambiente de negócios, fortalecer a regulação, proporcionar segurança jurídica e alinhar o planejamento do setor com o da infraestrutura.

O documento também vê como fundamental aprofundar o conhecimento sobre o potencial geológico brasileiro. Há o diagnóstico de que o território brasileiro ainda não é devidamente mapeado.

Além disso, há o diagnóstico entre técnicos do governo nos últimos anos sobre a necessidade de expandir o financiamento da exploração e da produção no Brasil. O Ministério de Minas e Energia anunciou há um ano e meio um fundo para minerais estratégicos com recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Vale, mas ele ainda está em fase de estruturação.

As discussões entre os países também avançam. Em 17 de junho, os líderes do G7 lançaram o Plano de Ação para Minerais Críticos, uma iniciativa conjunta para fortalecer as cadeias globais de suprimento desses recursos, o que deve intensificar as negociações diplomáticas a partir agora.

A área militar no Brasil acompanha à distância em função do papel que esses minerais representam para assuntos geopolíticos, já que a disponibilidade e o acesso a esses minerais são cruciais para a segurança nacional.

Além disso, os minerais críticos são estratégicos para equipamentos de defesa. São essenciais para a produção de tecnologias avançadas usadas em sistemas de vigilância, direcionamento, navegação e armas, além de equipamentos de comunicação e propulsão.