SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Temas da política nacional estiveram mais presentes nos discursos dos vereadores de São Paulo no primeiro semestre deste ano do que transporte público e a instalação de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), questões de fato ligadas à atuação desses parlamentares.

Os assuntos nacionais e relacionados aos campos da direita e da esquerda ocuparam 13,4% das manifestações dos parlamentares, percentual acima de menções como “ônibus” (8,3%) e “CPIs” (3,3%). Em termos gerais, a maioria dos discursos foi dedicada a tratar de problemas da cidade, que representou 53,2% dos termos nas falas.

Outros 6,4% das falas foram direcionadas para tratar do funcionalismo municipal, como reajuste de salário e condições de trabalho dos professores.

As conclusões são de estudo feito pela FESPSP (Escola de Sociologia e Política de São Paulo) em parceria com o Instituto Democracia em Xeque a pedido da Folha de S.Paulo.

O levantamento apontou que discursos em torno de vocabulários atrelados à política nacional, como anistia aos condenados pelos ataques à democracia em 8 de janeiro, polarização política entre o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), além de questões religiosas, tiveram cerca de 1.000 menções no plenário ao longo de quatro meses.

O estudo é baseado na técnica de análise de dados chamada clusterização hierárquica descendente, que agrupa palavras entre si para determinar a prevalência de cada assunto em relação aos demais na análise do discurso, feito por meio de inteligência artificial.

o estudo foi feito com base nos discursos dos vereadores transcritos em notas taquigráficas registradas após cada sessão ordinária.

Os termos em torno do critério definido como problemas da cidade incluem “população”, “segurança”, “cidade”, “água”, “ônibus”, entre outras, enquanto o agrupamento ligado aos temas nacionais é formado, principalmente, pelas palavras “ditadura”, “democracia”, “Bolsonaro”, “golpe”, “direita” e “Lula”.

O professor João Guilherme dos Santos, do curso Tecnologias Digitais e Democracia da FESPSP, um dos autores do estudo, explica que o agrupamento de temas não depende de temas escolhidos a priori e não há um direcionamento pré-definido dos grupos de palavras que serão analisados.

No período analisado, a cidade enfrentou enchente prolongada no Jardim Pantanal, na zona leste, greve dos servidores municipais durante votação pelo reajuste salarial, mudança de nome da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e veto ao mototáxi.

Mesmo assim, as discussões nacionais, alheias à cidade, foram recorrentes. “Nem todo mundo preso no 8 de janeiro cometeu crime”, disse o vereador Lucas Pavanato (PL) em sessão no fim de março. “Passar batom em uma estátua é um crime terrível para essa galera, mas e todas as vezes que o Guilherme Boulos, o MTST e grupos de extrema esquerda fizeram quebra-quebra?”, continuou ao citar o deputado federal do PSOL para atacar vereadores do mesmo partido.

Em seu primeiro mandato, Pavanato integra o grupo de parlamentares com forte presença nas redes sociais que chegou à Câmara nas últimas eleições. Ele foi o mais votado na capital paulista com mais de 160.000 votos.

A atual legislatura é composta por 20 novos parlamentares, o que representa 36% da Câmara. No pleito anterior, 21 vereadores estrearam mandato, ou 38% das 55 cadeiras.

Para Beto Vasques, professor de comunicação política da FESPSP e diretor de Relações Institucionais do Instituto Democracia em Xeque, a presença na Câmara de nomes ligados à direita com forte representatividade nas redes sociais leva ao aumento do espaço ocupado por pautas políticas e de costumes. “Percentualmente, a presença é pouca, mas o impacto é grande”, diz ele, sobre a eficácia dos métodos de comunicação direcionados às redes.

No estudo, Pavanato ocupa o segundo lugar no ranking de vereadores mais engajados com os temas ideológicos e ligados à política nacional. O primeiro é o ex-participante de reality show e influenciador de direita Adrilles Jorge (União Brasil), estreante na Casa. “O senhor Alexandre de Moraes está se transformando em uma espécie de pária internacional, um homem visto internacionalmente como um ditador”, disse em plenário no fim de fevereiro.

Em espectro político oposto, Luna Zarattini (PT), estreante em cargo legislativo, e Silvia da Bancada Feminista (PSOL) fazem menções frequentes a assuntos nacionais. “Sem anistia aos golpistas”, declarou a petista em plenária no fim de março, no dia em que o STF deu início a processo com acusação de golpe de Estado contra o ex-presidente Bolsonaro e integrantes de seu governo. No mesmo dia, Silvia discursou com uma camiseta preta com os dizeres “Sem anistia para golpista”.

Na lista de vereadores engajados em discursos voltados às questões inerentes à vida na cidade, que incluem temas como alagamentos, transporte, drogas, infância, CPIs, serviço público, visitas a secretarias e hospitais do município, participação em comissões, entre outros, de acordo com o estudo, despontam Janaina Paschoal (Progressistas), Toninho Vespoli (PSOL), Luna Zarattini (PT), Marina Bragante (Rede), Senival Moura (PT) e Renata Falzoni (PSB).

Em relação às discussões de projetos de lei, porém, o teor das discussões muda. Os temas nacionais desaparecem e se destacam temas como mudanças climáticas e desastres nacionais, nomes de ruas e praças, áreas verdes, sistemas de drenagem, GCM, entre outros.

Para o professor Santos, a desconexão entre as falas no plenário e o conteúdo dos projetos faz com que a tribuna deixe de ser um lugar de amadurecimento e construção de ideias para a cidade. “Os projetos são votados sem serem amadurecidos a partir das discussões na tribuna, permeadas por performances e tentativas de associação com as polarizações da politica nacional”

No primeiro semestre deste ano, a Câmara afirmou ter aprovado 202 projetos de lei, mais do que os 124 registrados no mesmo período no ano anterior.