SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa Datafolha aponta que 4 em cada 10 pais e responsáveis acreditam que as crianças passam mais tempo do que deveriam com dispositivos eletrônicos.
A pesquisa, encomendada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, ouviu 2.206 pessoas em todo o Brasil, sendo 822 responsáveis diretos por crianças de até 6 anos. O levantamento foi feito entre os dias 8 e 10 de abril, por meio de entrevistas presenciais em pontos de fluxo populacional. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para a amostra geral e 3 pontos para os responsáveis por crianças.
Entre os 822 responsáveis, 40% afirmam que as crianças passam mais tempo do que deveriam assistindo TV ou usando celulares e computadores, 38% afirmam que o uso é adequado e 22%, que é menor do que deveria.
Em média, as crianças de 0 a 6 anos passam 2 a 3 horas por dia em frente a telas, sendo que 78% das crianças de até 3 anos e 94% das entre 4 a 6 anos têm esse tipo de exposição diariamente, de acordo com os respondentes.
A recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), no entanto, é que, dos 2 a 5 anos, o tempo de tela seja de até uma hora por dia, ao passo que menores de 2 anos não devem ter nenhum contato com as telas. A partir dos 6 até os 10 anos, o contato deve ser entre uma e duas horas por dia.
Dentre os efeitos percebidos pelo uso excessivo de telas, 56% acreditam que pode prejudicar a saúde e 42% dizem achar que limita a socialização de crianças.
A exposição prolongada a telas tem sido associada a menos interação com a família, mais sedentarismo e maior risco de problemas de saúde mental.
Segundo Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, organização que atua em favor do desenvolvimento infantil, trata-se de uma incoerência que deve ser analisada como um todo.
“Existe um reconhecimento de que isso não é bom, mas também que há o uso para além do recomendado. Temos que lidar com a incoerência e entender o contexto. Para uma mãe em situação de vulnerabilidade econômica, às vezes a tela é a única forma para ela conseguir fazer algo que não conseguiria. É o conceito de vila ativa”, afirma Luz.
O conceito de vila engloba o entendimento de que a mãe não tem responsabilidade sozinha pela criança, que também deve ser amparada pela família, estado e sociedade, diz.
A pesquisa também aponta que 29% dos responsáveis admitem o uso de práticas violentas, como palmadas e beliscões, inclusive com crianças de até 3 anos. Dos 29% que admitem a prática, apenas 17% acredito que ela funciona.
Evidências mostram que o uso da violência impacta profundamente o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças.
Luz afirma que, para além de reforçar que a prática é errada, é preciso um processo educativo social para evitá-la. “A reflexão que temos que fazer é a dos padrões culturais e do contexto que a família vive, que pode ser de desemprego, estresse, ausência de comida na mesa, sobrecarga, saúde mental debilitada.”
Considerada uma “janela de oportunidades”, é na primeira infância que formam-se as bases do desenvolvimento cognitivo, físico e socioemocional. Até os 6 anos, o cérebro realiza 1 milhão de sinapses por segundo e 90% das conexões cerebrais são estabelecidas.
Apesar da importância da fase, a pesquisa revela que 84% dos entrevistados não considera os anos iniciais como fundamentais para o desenvolvimento humano.
Para 41% dos entrevistados, o maior pico do desenvolvimento físico, emocional e de aprendizagem ocorre a partir dos 18 anos. Outros 25% acreditam que é na adolescência, entre 12 e 17 anos.
A pesquisa revelou, ainda, que 42% dos brasileiros desconhecem ou não sabem o que significa o termo “primeira infância”, enquanto apenas 2% soube identificar corretamente que a fase vai de 0 a 6 anos de idade. Entre os cuidadores, o índice subiu para 4%.
Para Luz, isso significa que estamos atrasados. “É importante a gente entender a primeira infância como principal estratégia para combater as desigualdades. E se a gente não implementar medidas com mais foco, enquanto país, a gente vai ampliar o tamanho das desigualdades tão estruturais.”
Em 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o decreto que institui a Política Nacional Integrada para Primeira Infância (PNIPI), que prevê diretrizes para a implementação dos dispositivos do Marco Legal da Primeira Infância.
Desde 1923, o Brasil tem políticas voltadas às crianças, com a criação do juizado de menores. Em 1937, a Constituição obrigou o Estado a prestar assistência à infância, enquanto em 1988, a nova Constituição dividiu as responsabilidades pela infância entre o Estado, a família e a sociedade. Dois anos depois foi lançado o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Em 2016, pela primeira vez, o Marco Legal da Primeira Infância promoveu atitudes voltadas especificamente a crianças com até seis anos de idade, mas especialistas reclamavam de não haver ainda, em termos práticos, diretrizes para sua aplicação.