BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O abastecimento de água da Ceagesp, maior centro de comercialização de alimentos da América Latina, foi parar nos tribunais. A estatal ligada ao MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) entrou com uma ação contra a Sabesp, após a empresa paulista anunciar a rescisão unilateral do contrato que garantia ao entreposto tarifas reduzidas para fornecimento de água e tratamento de esgoto.

A Folha de S.Paulo teve acesso a detalhes do processo. Com a decisão da Sabesp, o valor da conta de água praticamente dobrou. A Ceagesp alega que a nova cobrança elevou sua fatura mensal para R$ 2,31 milhões, o que representa um aumento de 98%.

A Ceagesp, que tem consumo mínimo de 44 mil metros cúbicos por mês, contava com a aplicação de descontos tarifários, devido a perdas no processo de distribuição de água. A estatal vinha pagando mensalmente cerca de R$ 1,13 milhão à Sabesp.

No entanto, em abril a Sabesp, que foi privatizada em 2024 pelo governado Tarcísio de Freitas (Republicanos), notificou a estatal para informar que o acordo acabou e que passaria a cobrar sua tarifa padrão. Com a mudança, o valor de cada metro cúbico de água passaria de R$ 16,43 para R$ 29,90.

A Ceagesp reagiu. Na ação judicial, acusa a Sabesp de se aproveitar de sua condição monopolista na oferta do serviço e alega que a cláusula que permite a rescisão contratual é abusiva e deve ser considerada nula. A estatal diz também que, como consumidora de um serviço público essencial, e por não ter alternativas viáveis, encontra-se em posição de vulnerabilidade.

A Sabesp rebateu as alegações. Argumentou que não há aumento tarifário, mas apenas o fim de um regime de exceção que beneficiava a Ceagesp. E que a cobrança passa a seguir valores públicos fixados pela Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), aplicados a todos os usuários.

Na ação, a Sabesp afirma, ainda, que o rompimento contratual reflete o novo modelo regulatório adotado após sua privatização. A empresa sustenta que manter contratos de descontos para grandes usuários, como o da Ceagesp, comprometeria sua sustentabilidade econômica.

Segundo a empresa, subsídios cruzados como o que favorece a Ceagesp são incompatíveis e a concessão de descontos não é uma obrigação legal.

Por meio de nota, a Ceagesp declarou que as tarifas de água e esgoto têm seu valor rateado entre os comerciantes e produtores rurais que operam na estatal e que a Sabesp, pretende, pela rescisão de um contrato vigente desde 2001, “impor sua vontade de rever todos os valores da tarifa atualmente praticada, valendo-se, para tanto, de sua condição de detentora do monopólio da exploração da concessão de um serviço público essencial”.

Segundo a estatal, a modificação da política tarifária, com seu consequente incremento em 98%, vai atingir de forma significativa todo o setor de alimentos.

“É evidente que o aumento dos custos com as tarifas de água e esgoto afetará diretamente a cadeia de abastecimento e o preço final dos alimentos aos consumidores. É inevitável que os comerciantes repassem esse incremento de custos aos preços dos produtos que comercializam”, declarou a Ceagesp.

O caso tramita na 14ª Vara Cível Federal de São Paulo. Em 16 de julho, foi realizada uma audiência de conciliação, na qual a Ceagesp apresentou proposta de acordo no sentido de que sejam mantidas as tarifas de água e esgoto pelo período mínimo de um ano. Segundo a estatal, foi sugerida a criação de um grupo de trabalho composto de representantes da Sabesp, da Ceagesp e dos próprios comerciantes, para estudar alternativas ao fornecimento de água exclusivamente pela Sabesp.

“A Sabesp não aceitou o acordo no momento da audiência, mas ficou de analisar a possibilidade, sendo designada nova audiência para o dia 6 de agosto de 2025”, afirmou a Ceagesp.

Questionada sobre o imbróglio, a Sabesp declarou que “compreende a importância da Ceagesp para a cidade de São Paulo” e que, por isso, não houve interrupção no fornecimento de água, tampouco aumento de tarifa.

“O que ocorreu foi o encerramento de um desconto previsto em contrato privado, cuja rescisão estava contemplada nas cláusulas acordadas entre as partes e foi comunicada com a antecedência devida”, afirmou.

De acordo com a companhia de água e esgoto, “o fim do desconto está inserido no contexto do novo contrato de concessão da Sabesp, que estabelece diretrizes voltadas à sustentabilidade econômico-financeira do sistema e à universalização dos serviços de saneamento -princípios que exigem isonomia e transparência na política tarifária”.

A empresa afirmou, ainda, que decisões judiciais já confirmaram a legalidade da medida, e a Arsesp, agência reguladora responsável, também validou sua ação.

“Seguimos abertos ao diálogo e comprometidos com a prestação de serviços públicos essenciais com qualidade, responsabilidade e respeito a todos os nossos parceiros institucionais”, afirmou a Sabesp.

Recentemente, em evento que marcou um ano de privatização da Sabesp, o Governo de São Paulo anunciou a ampliação do programa Tarifa Social Paulista, que oferece desconto de água e esgoto para famílias de baixa renda que residem em áreas mais pobres de municípios atendidos pela companhia.

De acordo com o governo estadual, cerca de 748 mil novas famílias passam a contar com descontos, atingindo 2,2 milhões de pessoas. No total, incluindo famílias que já tinham acesso ao desconto antes da privatização da Sabesp, 1,7 milhão de famílias são beneficiadas com redução na tarifa, o que equivale a 5 milhões de pessoas contempladas pelos descontos, segundo a gestão paulista.