PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Quem pensou que assistiria a um debate comum na mesa de encerramento da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, neste domingo (3), se enganou. Os poetas Sérgio Vaz e Luís Perequê transformaram o palco principal do evento em um sarau matutino, em que falas misturaram versos, música e os aplausos da plateia deram tom de manifestação artística.

O público, acomodado em cadeiras da tenda principal, se envolveu com o tom altivo do paulista e a voz branda do paratiense ao recitarem sua literatura. “É assustador o conhecimento que está contido na chamada periferia”, disse Perequê, ecoando uma percepção compartilhada entre os dois.

A mesa que encerrou a 23ª edição do evento foi batizada de “Zé Kleber: Espalhar Poesia”, em homenagem ao poeta e músico paratiense, influência dos autores participantes do debate. Além das manifestações artísticas, Vaz e Perequê, mediados pela autora Juliana Borges, destacaram o papel social da leitura para grupos minorizados e em situação de vulnerabilidade, como jovens periféricos e caiçaras.

Traduzir a realidade desta população é, portanto, tarefa compartilhada entre os dois. “A poesia está em todas as coisas, embaixo das pontes, nos salões, no campo, no MST, em palanques políticos. E a gente chega ali para arrancar real esse lugar, para traduzir, vamos dizer assim, para as pessoas”, disse Perequê. “Então entendi muito cedo que a minha função maior era cantar ao meu lugar e sabia dos limites que o mercado impõe para esse tipo de trabalho que eu estava fazendo.”

Além de poetas, eles têm outro ponto em comum: os versos que escreveram no início de suas carreiras, falando sobre a destruição de povos originários, o racismo e os privilégios da elite brasileira, dialogam com a obra mais recente.

No início da década de 1990, Perequê escreveu poemas para denunciar invasões de comunidades tradicionais de Paraty e da especulação imobiliária que assombrava a cidade histórica. No debate, mais de 30 anos depois, falou da insatisfação com o leilão de 32 lotes de terra em áreas ocupadas pelas famílias.

“Trilha, trabalho, rena de orvalho, tramam tratores, novas estradas”, recitou ele os versos da criação que acredita ser de 1993. “E a cultura é esmagada, como se deu tantas vezes.”

Ao mesmo tempo, a poesia de Vaz permanece denunciando a falta de acesso de jovens periféricos a oportunidades, além de abordar racismo e violência. Em “Subindo a Ladeira Mora a Noite”, uma edição independente lançada na década de 1990, o poeta do Capão Redondo já trazia em seus versos questões que ainda fazem parte do cotidiano das favelas e periferias.

Hoje atua no projeto “Poesia Contra a Violência”, que visa levar a criação poética às escolas públicas como incentivo à cidadania. “Trazer, falar para essas pessoas, aquilo que ela não pode falar”, disse Vaz, referindo-se à população leitora de suas obras. “De alguma forma, aquilo que ele não sabe explicar, está dito ali. Ele não teria tempo, como eu, que sou o cara vagabundo que não trabalha, para pensar numa coisa complexa e eu vou simplificar para ele.”