SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma fábrica de níquel metálico localizada em um dos bairros mais antigos de São Paulo entrou no radar da União Europeia, que busca diminuir sua dependência da China no refino de metais críticos. Esses elementos são fundamentais para a fabricação de tecnologias ligadas à transição energética, mercado dominado pelos chineses.
A refinaria foi construída em São Miguel Paulista no início da década de 1980 pela antiga Votorantim Metais e chegou a empregar mais de 400 pessoas até 2016, quando a empresa fechou a fábrica devido à queda do preço do níquel. Agora, a australiana Jervois, dona da planta há três anos, tenta retomar as operações e produzir níquel metálico a partir de 2027.
O projeto ainda não recebeu a decisão final de investimento pelos atuais donos da Jervois, que até em maio estava em recuperação judicial nos EUA, mas se depender da União Europeia o financiamento pode estar próximo. O bloco europeu incluiu em junho a refinaria em uma lista de 14 projetos estratégicos fora da Europa -todos relacionados à extração, refino e reciclagem de metais críticos. O projeto é o único brasileiro e um dos três de níquel na lista do bloco; os demais são uma refinaria na Nova Caledônia e uma mina no Canadá.
A seleção não garante financiamento direto aos projetos, mas ajuda a conectar investidores europeus aos planos das empresas selecionadas. “Trata-se de um selo de qualidade que facilita a interação com futuros clientes e também com potenciais financiadores do projeto”, diz Carlos Braga, presidente da Jervois no Brasil. A empresa já opera na Finlândia uma refinaria de cobalto, outro metal crítico importante na confecção de baterias.
Antes de iniciar a produção, a empresa precisa captar entre US$ 60 milhões e US$ 70 milhões para reformar a planta, paralisada há quase 10 anos. A partir daí, a empresa quer atingir a produção de 10 mil toneladas de níquel metálico até 2028, 15 mil a menos que a capacidade de produção da Votorantim Metais à época da suspensão. A mesma refinaria terá capacidade de refinar 2.000 toneladas de cobalto.
O níquel metálico pode ser usado na confecção de aços inoxidáveis especiais ou na fabricação de baterias de carros elétricos. A intenção inicial da Jervois é trabalhar com o primeiro mercado, ainda que esteja disposta a alterar sua rota em determinado momento para atender os interesses dos europeus pela matéria-prima das baterias.
“Se a gente fosse produzir o sulfato de níquel (matéria-prima das baterias), a gente não chegaria no níquel metálico; se passaria por uma etapa antes. Mas a diferença de preço entre o sulfato e o níquel metálico varia bastante, então achamos que não é o momento de a gente focar o investimento no sulfato. Vamos fazer o que a gente já tem aqui, que precisa de menos investimento”, diz Braga.
Com enormes aportes de empresas chinesas, a Indonésia é responsável por 60% da produção global de níquel, inclusive com queixas de impactos ambientais causados pelas plantas de concentração do metal.
Kessel Sá, responsável pelo planejamento de mina em projetos de níquel na Indonésia durante quatro anos, diz que para estimular a produção no país, o governo indonésio fornece água e energia para as empresas chinesas. “O governo chinês subsidia as empresas chinesas, que se juntam e formam parques industriais, onde várias companhias trabalham no mesmo lugar, como um condomínio”, afirma. “A Indonésia hoje é uma das maiores fornecedoras do mundo para esse negócio; ela cresceu isso em seis anos porque a China tomou conta.”
Justamente por isso, tanto EUA quanto União Europeia tentam encontrar alternativas ao fornecimento do metal; algumas empresas, aliás, já seguem até outras rotas de fabricação de baterias para depender menos do níquel.
Mas a concentração do níquel na mão dos indonésios, apoiados pelos chineses, deixa a tarefa mais difícil para quem tenta diversificar a cadeia, inclusive para a Jervois. A empresa, por exemplo, precisa encontrar um fornecedor de hidróxido de níquel para produzir seu produto final, o níquel metálico.
O Brasil tem grandes minas de níquel operadas por Vale, Anglo American e Atlantic Nickel, mas o metal extraído pelas duas primeiras abastece a produção de ferroníquel, um produto de menor valor agregado também usado na fabricação de aço inoxidável. Já a terceira extrai o metal por meio de outra rota que não corresponde às características da planta Jervois -daí a necessidade de importar o metal.
“No nosso caso específico, até para começar a operação com um investimento não tão grande, a gente começará utilizando um hidróxido de níquel, que precisaremos importar. Por isso, a nossa capacidade é menor”, diz Braga. Em comparação, enquanto a Jervois quer produzir 10 mil toneladas, refinarias consideradas grandes no mundo produzem cerca de 40 mil toneladas de níquel metálico e algumas na China chegam a produzir cerca de 100 mil toneladas.
Braga afirma que a Jervois tem conversas iniciais com uma trading turca, mas não descarta a Indonésia como uma das possíveis fontes. “Nem todas as minas da Indonésia são controladas pela China. E mesmo que fossem, [seria melhor para os europeus] comprar de uma refinaria independente, mesmo ela comprando parte do minério da Indonésia”, diz Braga.