RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O mercado de trabalho acumula recordes na série histórica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas o órgão evita afirmar se o país vive ou não um cenário de pleno emprego.
O termo abre margem para diferentes interpretações, e o instituto não usa o conceito pela ausência de uma métrica unificada para defini-lo.
No debate macroeconômico, analistas costumam falar em pleno emprego para descrever momentos nos quais pessoas dispostas e aptas ao trabalho encontram espaço no mercado. A estimativa de quando isso começa a ser registrado na taxa de desemprego não é unânime.
No segundo trimestre, a desocupação caiu a 5,8% no Brasil, de acordo com o IBGE. Foi a primeira vez que o indicador ficou abaixo de 6% na série histórica da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), iniciada em 2012.
O chamado nível da ocupação, que mostra o percentual de pessoas de 14 anos ou mais que estão trabalhando, alcançou 58,8%, recorde da série.
Outras máximas foram o total de trabalhadores ocupados (102,3 milhões), a renda média mensal (R$ 3.477), o número de empregados com carteira assinada no setor privado (39 milhões) e o contingente de profissionais por conta própria (25,8 milhões).
Para o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale, é possível falar em pleno emprego no Brasil. Isso porque, segundo ele, a taxa de desocupação vem abaixo da chamada taxa Nairu, que estima qual seria o nível natural de desemprego de determinado local que não acelera a inflação.
Vale projetou em julho que a Nairu ficaria em torno de 8% no Brasil. Como o índice divulgado pelo IBGE está menor, sinaliza um mercado de trabalho mais aquecido, com reflexos na inflação devido a fatores como escassez de mao de obra e aumento de salários, de acordo com o economista.
“A gente está vendo impactos na inflação de serviços que têm muito a ver com o cenário do mercado de trabalho”, afirma Vale.
Os preços dos serviços acumularam alta de 6,18% nos 12 meses até junho no IPCA, ao passo que o índice geral de inflação foi de 5,35%, segundo o IBGE.
Em nota, o instituto afirmou que não trabalha com o conceito de pleno emprego e chamou a atenção para as diferenças regionais no Brasil.
No primeiro trimestre, período mais recente com dados disponíveis dos estados, 16 das 27 unidades da federação mostraram taxas de desemprego superiores à média nacional da época (7%).
Pernambuco (11,6%) e Bahia (10,9%) registraram os maiores patamares. Santa Catarina (3%) e Rondônia (3,1%), por outro lado, tiveram os menores índices da pesquisa.
O economista Rodolpho Tobler, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), cita as diferenças regionais, mas considera que o Brasil vive um quadro de pleno emprego.
Ele estima que essa condição já pode ser alcançada a partir de uma taxa de desemprego no patamar de 6% a 7%, sem grande pressão na inflação. Como o indicador está abaixo disso (5,8%), a tendência é de reflexos sobre os preços, segundo Tobler.
“Acho que estamos em pleno emprego, porque é um momento de aquecimento muito forte do mercado de trabalho. Está mais aquecido do que se imaginava”, diz.
O economista Vitor Hugo Miro, professor da UFC (Universidade Federal do Ceará), afirma que é possível que o Brasil esteja em pleno emprego ou muito próximo dessa condição.
Segundo Miro, é difícil estimar qual seria a taxa de desocupação natural do país, que não gera reflexos sobre a inflação, mas ele cita a existência de projeções próximas a 8%.
Nessa comparação, os dados mais recentes mostram um cenário bastante aquecido, mas é preciso levar em consideração que o mercado de trabalho pode ter ficado mais “flexível” a partir de mudanças nos últimos anos, indica o professor.
Ele ainda destaca que a percepção sobre as condições de emprego e renda varia de região para região.
“A taxa de desemprego é uma média para um país muito heterogêneo como o Brasil”, aponta Miro, que também é pesquisador do FGV Ibre no Nordeste.
Para o economista Bruno Imaizumi, da consultoria 4intelligence, é difícil dizer se o país vive um cenário de pleno emprego, apesar do registro de indicadores positivos.
Na visão dele, os modelos de análise podem não ter captado todas as mudanças que atingem a área, como a transição demográfica e os impactos da tecnologia.
“Acredito que a gente irá conviver a partir de agora com taxas de desocupação mais baixas. Isso não significa que o mercado de trabalho como um todo esteja perfeito”, diz.
Ele afirma, por exemplo, que a taxa de informalidade continua “superelevada”, em 37,8%, apesar de estar em trajetória de queda.
O professor José Luis Oreiro, da UnB (Universidade de Brasília), avalia que o conceito de pleno emprego não é aplicável ao cenário do Brasil. Na visão do economista, o país convive com um “desemprego disfarçado”.
Essa definição, diz Oreiro, abrange pessoas que até são consideradas ocupadas por estarem realizando trabalhos remunerados, mas em atividades de baixa produtividade.
“Temos uma grande quantidade de trabalhadores na informalidade, e não é uma informalidade desejada, aquela para evitar o Imposto de Renda. São pessoas que não conseguem emprego no setor formal da economia.”