SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grande mastro com uma vela de barco gira 360 graus no cenário da peça “Macuco”, desvendando memórias de Sebastião, papel de Edgar Castro. Ele é um entregador de aplicativo que volta à vila de pescadores onde nasceu após ser avisado, em um sonho, sobre os perigos que rondam a vida da mãe, Cleide do Ilhote –em participação especial, por vídeos, da atriz veterana Cleide Queiroz, de 85 anos.

O presságio chega no formato de uma revoada de macucos, ave típica da mata atlântica que corre risco de extinção e fez parte da infância de Sebastião no litoral.

O risco à mãe é um novo incêndio criminoso, como o que ocorreu há 50 anos na casa da família, ligado a disputas fundiárias. Na travessia de retorno, o homem, quase velho, revê a destruição da comunidade tradicional em que cresceu, a repressão política nos anos da ditadura e seu projeto desenvolvimentista e a perseguição ao amor dele com o jornalista Bernardo, interpretado por Vitor Britto.

Fafá de Belém está presente na trilha sonora e nas recordações afetivas de Sebastião. Quando garoto, ele almejava escrever letras para a cantora, que idolatra. O menino é reprimido pelo pai ao incorporar a exuberância da artista, mas conta com o apoio materno e é marcado pela canção “Dentro de Mim Mora um Anjo”.

O dramaturgo Victor Nóvoa emprestou ao personagem sua paixão pela cantora e memórias familiares. O avô dele nasceu em uma comunidade de pescadores em Ilhabela, na década de 1930, e, na adolescência, foi para Santos em uma canoa. “Ele trabalhou de forma precarizada, muitas vezes em situações análogas à escravidão, e decidiu nunca mais falar sobre a juventude”, diz.

As dúvidas sobre a trajetória do avô levaram o autor a refletir e a fabular sobre a destruição da vida caiçara e da mata atlântica em contraposição ao avanço do turismo predatório e da especulação imobiliária. “Convido meus mortos à cena para falarem sobre suas experiências caiçaras”, afirma.

Além dele, o diretor e cenógrafo do espetáculo, Luiz Fernando Marques, o Lubi, nascido em Santos, também retomou memórias da infância durante o processo de encenação. “Quando li pela primeira vez o texto, me emocionei profundamente, pois sentia que estávamos falando desses retornos, dessas culturas de resistência, desses tempos espiralados. Eu me vi ali também menino, indo e voltando da minha ilha, que me negara uma oportunidade de emprego, que não aceitava meu afeto por outros homens”, descreve.

Sons e imagens do mar, das aves e do fogo transportam o público do auditório do Sesc Pinheiros para a atmosfera litorânea, com direito à reprodução no programa do espetáculo de uma receita de um prato típico, a do peixe azul-marinho com com purê de banana verde.

Lubi explica que deseja conquistar algo a mais do que a atenção –ele quer a participação de quem assiste à narrativa de memórias individuais e coletivas, reais e inventadas.

Os atores vão e voltam no tempo, auxiliados pelo giro da vela de barco cenográfica, que funciona também como uma tela para a projeção de imagens e simulam a sensação de navegação nos mares ainda possíveis.

“A questão climática é uma tirania do homem sobre a natureza que volta contra nós. O teatro nos permite provocar o ‘ai de mim’ coletivo, que leva à ação: quem colocamos no poder, o que valorizamos, como reagimos. Só o coletivo nos tira desse sufocamento”, acrescenta ao diretor.

Fafá de Belém, com suas gargalhadas e suas lágrimas intensas, ainda não assistiu ao espetáculo. Mas é um desejo do dramaturgo que ela apareça e, quem sabe, cante um trecho de “Dentro de Mim Mora um Anjo”.

Macuco

Quando: Até 30 de agosto, de qui. a sáb., às 20h

Onde: Auditório do Sesc Pinheiros

Preço: R$ 50,00 (inteira); R$ 25,00 (meia) e R$ 15,00 (credencial plena do Sesc)

Classificação: 12 anos

Autoria: Victor Nóvoa

Elenco: Edgar Castro, Vitor Britto e Cleide Queiroz

Direção: Luiz Fernando Marques