BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O estado de São Paulo tem ampliado o número de pessoas internadas em manicômios judiciários, o que vai na contramão da média do país.

Os manicômios judiciários são apontados como graves violações de direitos humanos e há determinação para a desativação desse tipo de unidade. Elas abrigam pessoas em cumprimento de medida de segurança –cometeram crimes, mas não podem sofrer as penas cabíveis por possuírem transtornos mentais, deficiência psicossocial e serem consideradas inimputáveis.

Em dezembro de 2024, havia 993 pessoas internadas em São Paulo, segundo dados organizados pela Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), do Ministério da Justiça. O número representa alta de 30% na comparação com o fim de 2022.

No mesmo período, o total de internados em manicômios judiciais no Brasil recuou 26%, passando de 1.063 para 783. O estado de São Paulo concentrava no fim do ano passado 56% do total de custodiados no país.

Os dados da Senappen relacionados a São Paulo foram colhidos junto a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) do estado. Hoje, a população dos manicômios é ainda maior.

A SAP informou à Folha que, em julho deste ano, o número de pacientes custodiados nas três unidades do estado subiu para 1.026.

“Internações e respectivas altas desses pacientes decorrem exclusivamente por determinação judicial”, disse em nota a secretaria do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou a desativação desses estabelecimentos em todo o Brasil. A ideia é ter uma transição desses internos para o tratamento em liberdade no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), como determina a política brasileira de saúde mental.

O STF (Supremo Tribunal Federal) analisa quatro ações de inconstitucionalidade contra a resolução do CNJ –ou seja, que pedem a manutenção dos manicômios. O julgamento está suspenso após pedido de vista.

Dados do conselho apontam que cinco estados já fecharam manicômios: Ceará, Goiás, Mato Grosso, Piauí e Roraima.

Outros 14 pararam de receber novos casos: Acre, Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia.

São Paulo mantém as portas abertas de três estabelecimentos dessa natureza, dois em Franco da Rocha (na região metropolitana da capital) e outro em Taubaté (no interior). O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) promete o encerramento das atividades das unidades até julho de 2026.

O defensor público Bruno Shimizu, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, diz que o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) tem resistido à desinstitucionalização das pessoas com transtornos mentais.

“As decisões frequentemente ignoram a resolução do CNJ ao desconsiderar pareceres multidisciplinares e se basear exclusivamente no atestado de periculosidade emitido pela própria instituição de internação para decidir sobre a permanência das pessoas”, disse.

O TJ-SP afirmou à reportagem que as decisões envolvem análise jurisdicional especializada e sempre são baseadas em laudos e pareceres técnicos multidisciplinares, respeitando-se o devido processo legal.

A presidente do Conselho Federal de Psicologia, Alessandra Almeida, diz que esses hospitais não oferecem cuidado em saúde e podem agravar o quadro clínico dos internos. Segundo relatório inédito da entidade, há persistência de violência física e psicológica.

Os profissionais do conselho constataram a ausência de protocolos de saúde, medicalização forçada e atuação arbitrária de agentes de segurança. O isolamento dos internos é relatado como forma recorrente de tortura, determinado muitas vezes por profissionais sem preparo técnico, segundo o relatório do conselho.

Na Penitenciária de Psiquiatria Forense da Paraíba, por exemplo, o isolamento é feito em um espaço sem iluminação, onde a pessoa permanece nua e recebe apenas alimento e medicação. A prática seria adotada após crises ou como punição por desobediência, segundo o relatório.

No Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Dr. Arnaldo Amado Ferreira, em Taubaté (SP), a segurança atua como principal agente na condução das crises, o que contraria diretrizes, de acordo com o relatório do conselho de psicologia. A falta de médicos e equipes multidisciplinares em tempo integral seria usada como justificativa para essas práticas.

O documento traz ainda relatos do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Santa Catarina, de hipersedação prolongada, com pacientes sob efeito de medicamentos por meses, sem conseguir se alimentar ou se mover. Nesse mesmo local, pessoas em internação relataram o uso recorrente de gás de pimenta por agentes.

Relatos das equipes de inspeção indicam que a contenção química tem sido usada como prática rotineira, sem justificativa clínica. Também são relatados problemas estruturais e casos de escassez de água potável.

Segundo o governo de São Paulo, as unidades do estado são regularmente vistoriados por órgãos do Poder Judiciário, há equipes multidisciplinares, situações de crise são administradas por orientação médica, toda prescrição médica é feita por psiquiatras registrados e não há registros de utilização de contenção química.

“Todas as atividades realizadas pelos pacientes estão inseridas em um processo de reabilitação, sem função laboral, durante a vigência da Medida de Segurança”, diz a nota.

Os governos da Paraíba e Santa Catarina foram procurados, mas não responderam.

A desinstitucionalização ainda é um tema que provoca divergências tanto no campo da saúde quanto no sistema de Justiça. José Brasileiro Dourado Júnior, do departamento de psiquiatria forense da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, afirma que o fechamento abrupto dos manicômios seria prejudicial porque a rede de saúde não estaria preparada para acolher esse público, que, segundo ele, apresenta grau de periculosidade por já ter cometido crimes.

“Nós defendemos que as internações nos hospitais de custódia sejam mantidas com garantia de tratamento adequado à saúde, de forma que retornem à sociedade com acompanhamento e reintegração adequada”, disse.

Questionado, o Ministério da Saúde disse em nota que 32 equipes atuam exclusivamente na inclusão dos pacientes aos serviços do SUS. Entre as ações de fortalecimento, a pasta cita criação de 139 novos Serviços Residenciais Terapêuticos, que saltaram para 956 unidades (alta de 52% com relação a 2022), e a ampliação dos leitos de saúde mental em hospitais gerais, (chegando a 2.169, contra 1.894 em 2022).

A Senappen foi procurada e não respondeu.