PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A Flipei, Festa Literária Pirata das Editoras Independentes, acusa a Fundação Theatro Municipal de “censura política e ideológica” após ser comunicada de que não poderá mais usar a praça das Artes, na capital paulista, para realizar sua próxima edição, que começará na próxima quarta-feira (6), agora em outros pontos da cidade.

A fundação, vinculada à Secretaria Municipal de Cultura da gestão de Ricardo Nunes (MDB), é a entidade que gere os contratos do complexo cultural que reúne o teatro e o Paço das Artes.

Procurada na noite deste sábado, a Prefeitura de São Paulo não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.

A Flipei, que não será desmarcada, foi transferida para outros endereços, como o Galpão Elza Soares, o Armazém do Campo e o Sol y Sombra.

Seu diretor, Abraão Mafra de Oliveira Lopes, é quem assina o ofício usado para comunicar o cancelamento à organização social Sustenidos, atual gestora do complexo cultural e com quem a Flipei assinou contrato de cessão onerosa para uso do Paço das Artes para o evento.

Na mensagem, o diretor cita “conteúdo e finalidade de cunho político-ideológico” para justificar a decisão. Bens públicos, segundo ele, não deveriam estar à disposição para atividades do tipo, “especialmente quando estas não estejam diretamente vinculadas à proposta pedagógica, artística ou institucional das escolas geridas”.

No ano passado, no entanto, a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro recebeu o título de cidadã paulistana no Theatro Municipal, que também já foi palco de obras de cunho religioso voltadas ao público evangélico.

O cancelamento ocorreu a menos de uma semana do evento e horas depois da transmissão ao vivo da mesa da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, com o historiador israelense Ilan Pappe, que contou ter sido alvo de uma campanha para que não participasse de eventos com falas públicas no Brasil. Ele também participará da Flipei.

Para os organizadores da Flipei, o cancelamento está associado à presença de um “incômodo com os temas abordados pela festa” e seria uma retaliação por duas participações previstas no evento: de Pappe, crítico do governo Binyamin Netanyahu no conflito de seu país contra o Hamas, e do ativista Thiago Ávila, brasileiro detido por Israel em junho.

Ávila era, junto com Greta Thunberg, um dos tripulantes da Flotilha da Liberdade, que tentava levar ajuda humanitária à população da Faixa de Gaza e denunciar o cerco imposto por forças israelenses ao território palestino.

A Flipei também diz enxergar digitais do Executivo paulistano na derrubada de três emendas parlamentares que dariam apoio estrutural à sua realização, dos vereadores de oposição Nabil Bonduki (PT), Luana Alves (PSOL) e Silvia Ferraro da Bancada Feminista (PSOL).

As emendas garantiriam verba para contratação de palco, som, iluminação e banheiros químicos, entre outras coisas. A saída será contar com o auxílio de outros parceiros.

Em nota à Folha encaminhada por um de seus idealizadores, o editor Cauê Ameni, a Flipei se posiciona como ” uma festa pirata, não porque seja clandestina, mas porque se recusa a aceitar o naufrágio cultural promovido pelo mercado e pelo conservadorismo”.

Diz que o contrato para ocupar a Praça das Artes estava assinado havia cinco meses e que é “uma pena e uma vergonha” que a fundação o rasgue agora. Nas palavras da organização, ela teria se curvado ao “lobby sionista” para censurar uma festa literária que reúne mais de 180 editoras, feita de forma gratuita para o público de São Paulo.

Segundo a Flipei, trata-se de um “ataque à cultura, à liberdade de expressão e à circulação de ideias”. “É injustificável a direção do Theatro Municipal cancelar um evento cultural reunindo mais de duzentas editoras e livrarias. A Flipei está programada desde março para a Praça das Artes, com o apoio das leis de incentivo estadual e federal e da Sostenidos, organização social que administra o Theatro”, afirmou o vereador Nabil Bonduki (PT).

“É inadmissível o poder público, em uma democracia, interferir ou vetar debates sobre livros e literatura. Espero que o prefeito Ricardo Nunes reveja essa posição, que lembra os tempos da ditadura militar.”