PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A primeira mesa da Casa Folha deste sábado, quarto dia da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, reuniu as escritoras e colunistas da Folha Bianca Santana e Giovana Madalosso, que lançam livros no evento e falaram sobre a criação e o imperativo de desconstruir a imagem da escrita como ofício inalcançável.

Santana apresenta “Apolinária”, pela Fósforo, seu primeiro romance, e Madalosso mostra “Batida Só”, da Todavia. Intitulada “Árvore Genealógica”, a mesa tratou das origens de personagens criados e desenvolvidos em seus livros e teve mediação da jornalista Victoria Damasceno.

Madalosso explicou que encontrou a necessidade de descobrir algum tipo de empatia com seus personagens, por mais “chatos e difíceis” que eles sejam, para se conectar a eles e dar profundidade a suas existências literárias.

Foi o caso de “Suíte Tóquio”, disse. “Tive de desenvolver uma babá que é muito explorada e uma patroa que é uma empresária muito bem-sucedida e que praticamente escraviza essa mulher e achar coisas com as quais me conectar a elas para fazer o livro como eu queria”, afirmou ela.

Já em seu novo livro, “Batida Só”, a dinâmica foi outra: transmutar em ficção enredos baseados em sua vida. Madalosso viveu um período em que sua filha, criança, ficou doente e, mesmo que estivesse na época escrevendo um livro sobre menopausa, decidiu mudar o percurso e criar uma ficção sobre o tema que se tornou tão urgente sem expor sua história e seus afetos.

Santana falou sobre o desafio de trazer para a escrita os contraditórios de personagens cercados de afeto, citando sua avó, que inspirou a personagem do romance “Apolinária”, e a filósofa Sueli Carneiro, cuja biografia, “Continuo Preta”, da Companhia das Letras, ela assina.

“Eu admiro enormemente Sueli Carneiro e não escondo isso. Mas não podia trazer só as maravilhas dela, precisava do contraditório porque, senão, desumanizo ela. E desumanização também é racismo”, disse.

Já “Apolinária”, inspirado na avó, teve outro tipo de desafio, porque as contradições de sua familiar ela já conhecia de trás para frente. “Ela tinha um projeto de embranquecimento da família que também era um projeto de embranquecimento do país. Ela era filha deste Brasil. Contar a complexidade de Apolinária foi mais simples.”

Santana falou ainda da relação com o pai, revelada em sua participação no podcast da psicanalista e colunista da Folha Vera Iaconelli, e da possibilidade de transformar essa história em livro.

Seu pai, Feliciano, morreu com um tiro na cabeça, que não se sabe ter sido assassinato ou suicídio. E que isso é um dos fatores que levaram a morte a ser algo tão constitutivo de sua existência. “Uma pessoa negra é assassinada a cada 12 minutos no Brasil. Portanto, mesmo que meu pai não tenha sido assassinado, a morte violenta me constitui, não só porque as pessoas negras sobreviveram à violência do tráfico transatlântico, mas porque a violência do racismo persiste ainda hoje.”

Questionadas sobre que dicas dariam para alguém que quer escrever, as autoras falaram que o ofício da escrita sempre esteve envolto em uma aura inalcançável aos mortais e que isso afasta muitas pessoas deste exercício. Segundo elas, é preciso se libertar desta imagem e começar.