BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um estudo realizado pela consultoria Oxford Economics, a pedido da ICC (Câmara de Comércio Internacional), mostra que o Brasil pode ser um dos países mais prejudicados pelo colapso total da OMC (Organização Mundial do Comércio), que atua como um balizador do comércio internacional.
Segundo o relatório, que foi realizado antes da onda de tarifas impostas pelo presidente americano Donald Trump e que traçou cenários em um mundo sem a atuação da OMC, o Brasil seria o mais vulnerável entre dez países em desenvolvimento analisados, podendo sofrer impactos substanciais nas exportações de “produtos não energéticos”, como alimentos e matérias-primas, ou seja, tudo aquilo que não envolva petróleo e seus derivados.
O documento alerta que o Brasil teria muito a perder com essa situação, porque o país depende das regras multilaterais para conseguir competir no comércio internacional, especialmente no setor agrícola. Se essas regras passarem a ser substituídas por disputas diretas entre países, como está ocorrendo neste momento com as ameaças e imposições do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a tendência é de que o Brasil saia perdendo, ao menos no curto prazo.
O estudo destaca que quase metade das exportações brasileiras vem de produtos agrícolas –como soja, carne bovina e açúcar– que são muito sensíveis a barreiras comerciais. Sem a OMC, esses produtos podem enfrentar taxas mais altas ou exigências sanitárias difíceis de cumprir, dificultando sua entrada em outros mercados.
“Tal projeção decorreria de três fragilidades interconectadas. Em primeiro lugar, a pauta exportadora nacional tem elevada dependência de commodities agrícolas (49% das exportações não energéticas). Ademais, produtos como soja, carne bovina e açúcar, que já são altamente protegidos, enfrentariam barreiras tarifárias e não tarifárias generalizadas”, afirma o relatório.
Outra dificuldade apontada diz respeito à limitada integração do Brasil com cadeias de valor internacionais, apesar das movimentações que envolvem o Mercosul, União Europeia e Brics.
A análise incluiu dez países em desenvolvimento: Brasil, Guatemala, Egito, Vietnã, Indonésia, Camarões, Turquia, África do Sul, China e Índia. Em um cenário sem OMC, estima-se que o comércio de bens desses países cairia em média 33%, com impactos ainda maiores nas nações de baixa renda, onde as exportações poderiam despencar até 43%.
As perdas no PIB (Produto Interno Bruto) de longo prazo variariam entre 3% e 6%, refletindo tanto a queda no comércio como no investimento estrangeiro direto, que também se reduziria entre 3% e 6%.
“Conforme a modelagem apresentada, o Brasil sofreria contração de aproximadamente 45% de suas exportações de bens não energéticos no longo prazo –o impacto mais acentuado dentre todas as economias estudadas”, aponta o relatório.
Na semana passada, em discurso durante reunião na OMC, o Brasil criticou indiretamente as tarifas impostas por Donald Trump e disse que está em curso um “ataque sem precedentes” ao sistema multilateral de comércio.
O secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, embaixador Philip Fox-Drummond Gough, declarou que as tarifas estão sendo usadas para interferência em assuntos internos de nações, em uma alusão ao fato de que o presidente dos EUA vinculou sobretaxas de 50% sobre o Brasil à situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Além das violações generalizadas das regras do comércio internacional –e ainda mais preocupante–, estamos agora testemunhando uma mudança extremamente perigosa em direção ao uso de tarifas como ferramenta em tentativas de interferir nos assuntos internos de países terceiros”, disse Gough, sem citar Trump ou os EUA diretamente.
Hoje a OMC vive uma situação de impasse institucional e esvaziamento, principalmente por conta do bloqueio prolongado ao seu sistema de solução de controvérsias. Desde 2019, o órgão de apelação da OMC, que julga disputas comerciais entre países, está inoperante, porque os Estados Unidos seguem bloqueando a nomeação de novos juízes desse órgão. Isso criou um vácuo no sistema de resolução de disputas, travando o processo.
Neste ano, ao intensificar medidas unilaterais e protecionistas, Trump alegou que a OMC “prejudica os interesses dos EUA”. O governo americano questiona a legitimidade e funcionamento do órgão de apelação e ainda critica o tratamento dado à China. Na prática, o cenário atual concretiza o esvaziamento da OMC como um mediador baseado em regras multilaterais.
Em resposta ao bloqueio, União Europeia, China, Brasil e outros 50 países criaram o Mecanismo Provisório de Apelação para seguir resolvendo disputas fora do canal travado. Os EUA, porém, não participam desse mecanismo.
O estudo da consultoria Oxford Economics foi encomendado pelo ICC (Câmara de Comércio Internacional), uma organização global que representa os interesses do setor privado no comércio internacional. Fundada em 1919, com sede em Paris, a ICC atua como uma ponte entre empresas, governos e organismos multilaterais.