PARATY, RJ E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Paulo Leminski adolesceu e decidiu morar no mosteiro de São Bento, em São Paulo. Passou pouco mais de um ano lá, entre 1958 e 1959, como um oblato, que são os camaradas que integram uma comunidade monástica, sem necessariamente portar um título religioso.

Mas o hábito não fez esse monge. “Ele foi meio que expulso por causa do comportamento. Diziam que tinha até foto da Sophia Loren embaixo da cama”, diz o poeta e editor Tarso de Melo, exímio conhecedor do autor homenageado nesta edição da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty.

Nas décadas seguintes, Leminski voltou muitas vezes a essa fase menos conhecida de sua vida. “Fica uma certa religiosidade desse momento”, afirma Melo. “E Jesus vira a grande figura, né?”

Tanto que, aos 40, cinco anos antes de morrer, Leminski lançou uma biografia ensaística sobre o messias do cristianismo, “Jesus a.C.” —Jesus antes de Cristo.

Ali o curitibano fala sobre um homem histórico, “judeu errante e contestador”, quase um hippie avant la lettre. Um olhar do Leminski contracultural, claro, que menciona um “Jesus muito namorador”, pego “fazendo essa coisa vaga que pode ocorrer, sempre, entre homem e mulher (entre homem e homem, mulher e mulher), que se chama namorar”.

Leminski vê esse homem afeito à paquera, por exemplo, quando ele encontra uma samaritana à beira do poço. O poeta descreve como, na sua interpretação, Jesus “entra num daqueles jogos parabólicos e trocadilhescos” ao dizer à donzela, conforme narrado no Novo Testamento: “Se você me der dessa água, vou te dar a água da vida, água que, uma vez bebida, sacia a sede para sempre”.

Para Tarso de Melo, o Jesus de Leminski é “pura liberdade e puro amor”. O homem que inspirou a religião mais popular do mundo é um dos quatro biografados por Leminski na coletânea “Vida”, ao lado de Cruz e Sousa, Bashô (um monge budista) e Trotski.

Jesus, na perspectiva do curitibano, é um “superpoeta” que se embaralha com a luta de classes. Escreve Leminski: “Curioso que, na frondosa bibliografia sobre os socialismos utópicos, nunca apareça a doutrina de Jesus como uma das mais radicais”.

Leminski, como tantos brasileiros do seu tempo, veio de formação católica, mas não professou uma fé específica. Perto do fim de sua breve vida, aproximou-se de personagens importantes da católica e progressista Teologia da Libertação. Frei Betto e Leonardo Boff, por exemplo, ganharam dele o poema “Amar: Armas Debaixo do Altar”.

Tarso de Melo diz que, como tudo para Leminski está a serviço de sua poesia, não haveria por que ser diferente aqui. “Ler ‘Jesus’ é transformar Jesus em poema.”