BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Pivô do diálogo com Washington e com empresários, o vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria e Comércio) ganhou protagonismo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a guerra comercial aberta pelos Estados Unidos.

Para a nova fase das tratativas com os americanos, desde a confirmação da sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, os setores apostam na habilidade de Alckmin como negociador para a ampliação da lista de exceções, hoje com quase 700 itens.

Alckmin foi designado como articulador do Brasil logo após a posse de Donald Trump. Na avaliação de um integrante do governo, o fato de o vice-presidente ter um canal direto com Lula e boa interlocução com o setor privado conferiu a ele legitimidade no posto.

Em março, Alckmin teve um primeiro diálogo com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, por videoconferência, na qual também participou o representante comercial dos EUA (USTR), Jamieson Greer.

A conversa fazia parte de uma operação montada pelo governo para tentar evitar que o Brasil se tornasse alvo de tarifas de Trump. O tema já tinha sido tratado semanas antes com o senador republicano Steve Daines, integrante do Partido Republicano e aliado de Trump.

As tratativas com autoridades americanas voltaram a ganhar fôlego em julho, às vésperas da confirmação do aumento da alíquota cobrada do Brasil. Em paralelo, Alckmin intensificou a agenda de encontros com representantes de setores, como indústria, agronegócio e tecnologia, e passou a conceder entrevistas quase que diariamente.

Em evento em Osasco (SP), Lula caracterizou o vice-presidente como um negociador calmo e experiente, elogiando sua atuação política. “Esse cara é exímio negociador, não levanta a voz e não manda carta, ele só quer conversar”, afirmou.

Em um intervalo de dez dias, Alckmin teve duas conversas com Lutnick. Em uma delas, o secretário pediu a participação de um de seus conselheiros, William Kimmit, na reunião do governo brasileiro com as gigantes de tecnologia, as chamadas big techs.

Na última quarta (30), Trump assinou a ordem executiva confirmando a aplicação de sobretaxa de 50% a produtos brasileiros. Ficarão isentos, por exemplo, derivados de petróleo, produtos de aviação civil e suco de laranja. Por outro lado, carnes, café e pescado não escaparam da taxação.

A avaliação de auxiliares de Lula é que a negociação das tarifas esbarrou na falta de um canal direto do governo brasileiro com a Casa Branca —responsável pela decisão final.

Um dia depois da publicação de Trump, em entrevista ao programa Mais Você, Alckmin afirmou que o diálogo com os EUA não terminava naquele dia, mas estava começando.

Questionado sobre os próximos passos da negociação, o vice-presidente adotou um tom descontraído: “A minha especialidade é anestesia”.

Bom ouvinte, conciliador e dotado de um amplo conhecimento econômico foram alguns dos elogios feitos a Alckmin por alguns dos mais de 20 interlocutores ouvidos pela Folha de S.Paulo.

O presidente e CEO da Embraer, Francisco Gomes Neto, vê o vice-presidente como um gestor muito experiente, sempre aberto a ouvir as demandas do setor privado e apoiar de forma estratégica à reindustrialização do país.

No caso das tarifas, considera que Alckmin “demonstrou total compromisso e engajamento desde o primeiro momento” e tem negociado de forma construtiva com os americanos. Para ele, as exceções, que equivalem a 45% das exportações brasileiras aos EUA —e beneficiam aeronaves da Embraer—, refletem o esforço negociador do governo brasileiro.

Mesmo entre os setores que não tiveram alívio nas tarifas até agora, como parte do agronegócio e indústria, há confiança na capacidade de negociação de Alckmin.

Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), ressalta que as reuniões realizadas até agora serviram para os setores darem subsídio técnico ao governo.

“Os entendimentos foram construídos nessas reuniões. Isso se refletiu nas entrevistas, na carta, na negociação, na busca pelo diálogo, no senso de urgência. Muitos dos argumentos que o vice-presidente usa estão alinhados com os dados técnicos apresentados”, afirma.

O CEO global da Taurus, Salesio Nuhs, destaca a experiência adquirida pelo ex-tucano como governador de São Paulo. “Não me surpreendi em nada quando ele foi designado como interlocutor”, diz. “Se a pessoa com quem você está discutindo conhece o assunto, facilita muito.”

Ele também ressalta que Alckmin conta com uma equipe técnica extremamente competente. No encontro do último dia 24, o representante da maior fabricante de armas de fogo do Brasil buscou reforçar a importância estratégica da empresa.

Para o presidente da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), Flávio Roscoe, Alckmin é um negociador experimentado, uma pessoa afável e um cara do diálogo.

“O Alckmin não é o problema, ele é a solução. O problema, na minha leitura, é essa postura mais combativa do presidente da República”, afirma. “O único país que hoje fala contra os Estados Unidos é a gente”.

Na cúpula do Brics, no Rio, Lula comparou Trump a um imperador. Na véspera da assinatura de Trump, o chefe do Executivo deu uma entrevista ao The New York Times, dizendo que “seriedade não exige subserviência”.

Roscoe considera que a lista de exceção de produtos está relacionada aos interesses dos americanos, mas que o vice pode ser decisivo nos próximos passos da negociação. “Alguém tem que botar água fria nessa fervura e a pessoa correta é o Alckmin”, diz.

Outro que se reuniu recentemente com Alckmin foi Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo). “Ele tem equilíbrio emocional, conversa quase sorrindo, procura ser simpático na interlocução. Esses pontos são importantes para um negociador”, afirma, exaltando a capacidade do vice de enxergar alternativas e saídas.

A legitimidade de Alckmin como articulador do governo é reconhecida até mesmo por membros da oposição da gestão Lula. Pessoas do entorno do governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), contam que a relação deles é republicana e respeitosa.

Na semana passada, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), cancelou uma reunião de governadores com Alckmin para discutir estratégias para lidar com o tarifaço. Segundo um interlocutor ouvido pela Folha de S.Paulo, o ato não foi uma resistência ao vice-presidente, mas resultou de uma descrença de que o problema poderia ser resolvido.

O tarifaço de Trump ampliou a exposição de Alckmin e reforçou seu laço com o presidente, fortalecendo seu nome a vice na chapa de Lula em 2026. Apesar da avaliação positiva, aliados reconhecem que ainda há bastante tempo pela frente e o cenário pode virar.