PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A ministra Marina Silva teve recepção de “super star” no palco da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e nas ruas da cidade. Ovacionada de pé durante mais de três minutos, aos gritos de “Marina”, a ministra foi protagonista da mesa mais lotada da festa até agora, tanto na tenda principal quanto no auditório externo, do telão.

Jantando em um restaurante da cidade, com a participação da reportagem da Folha, a ministra foi abordada por inúmeras pessoas em busca de selfies, na maioria mulheres. “Sou muito fã da senhora, que orgulho de ser brasileira como a senhora”, dizia uma delas, enquanto a ministra comia um frango grelhado com arroz e salada e tomava água sem gás.

Integrantes da assessoria da ministra chegaram antes ao restaurante para assegurar que a comida de Marina não teria traços de ovos, leite e crustáceos, que ela não pode comer por seus problemas de saúde –pegou malária cinco vezes, hepatite e teve contaminação por mercúrio.

A fila para ver a mesa da ministra, mediada pela jornalista Aline Midlej, começou a se formar mais de uma hora antes do início. Marina teve público de mais de 600 pessoas na tenda principal, à frente do historiador israelense Ilan Pappe, que também teve uma mesa disputada, com plateia de 549 pessoas.

Após ser aplaudida de pé no início de sua mesa, a ministra ergueu o punho, um gesto que repete desde os 19 anos em momentos de comoção em palcos.

Muitas das pessoas do público afirmaram que estavam lá para prestar solidariedade à ministra, que foi atacada por parlamentares no Congresso. “Acabei de voltar da Amazônia, quero muito vê-la e prestar nosso apoio, aqui ela vai ser acolhida”, disse Isabella Medeiros, consultora em sustentabilidade que estava na fila para a mesa.

Marina também se vê enfraquecida no governo, com derrotas em questões como a exploração de petróleo na margem equatorial e na aprovação do PL que flexibiliza o licenciamento ambiental, o chamado PL da devastação, aprovado na Câmara no início do mês com omissão do governo e grande apoio da bancada governista.

Agora, Lula tem até o dia 8 de agosto para vetar –em parte ou totalmente– o PL. Mas vetos que não sejam cosméticos enfrentam oposição de alas do governo que não querem antagonizar frontalmente com a bancada do agro e o centrão.

“O licenciamento ambiental é a principal vértebra da proteção ambiental no Brasil. Não conseguiremos alcançar metas de redução de CO2 se o licenciamento for mutilado, desfigurado, do jeito que está no PL como foi aprovado no congresso. Não consigo ver como zerar desmatamento”, disse na mesa.

A mediação da jornalista Aline Midlej não insistiu em contradições da política do governo Lula para o meio ambiente. Mas a âncora da Globonews fez alusão às derrotas de Marina no governo ao questionar a ministra.

“Política é insistência”, disse Marina. “Quando me perguntam como estou me sentindo, se estou assim ou assado, digo que não sou nem otimista, nem pessimista, sou é persistente.”

Midlej se solidarizou com a ministra, dizendo que Marina foi “atacada por misóginos, covardes e negacionistas em pleno Congresso Nacional, querendo contar para o mundo qual o lugar de uma mulher”.

Durante sua fala, Marina foi aplaudida de pé diversas vezes e chorou em vários momentos. A ministra, que foi analfabeta até os 16 anos, relembrou o momento em que decidiu que queria aprender a ler. Ela disse que, apesar de não saber ler e escrever, era PhD em “saber narrativo”, porque sua avó lia folhetos e cantorias do nordeste interpretando os personagens. Os sertanejos, que eram analfabetos, sempre perdiam para os homens da cidade. Eu decidi que não queria ser analfabeta, ela disse.

Foi a fala mais aplaudida da mesa.

Outro momento emocionante foi quando subiu ao palco Alessandra Sampaio, a viúva do jornalista britânico Dom Philips, assassinado no Vale do Javari com o indigenista Bruno Pereira em 2022. Ela deu a Marina uma cópia do livro recém-lançado Como salvar a Amazônia: uma busca mortal por respostas, obra póstuma de Phillips concluída por ela e amigos do jornalista,

A ministra entrou pela porta lateral, acompanhada à distância por agentes da Polícia Federal. Todos na plateia passaram por revista com detectores de metais, algo incomum na Flip, que também ocorreu para a conversa de Ilan Pappe com a professora da USP Arlene Clemesha.

O jantar da ministra contou com a presença da embaixadora da União Europeia no Brasil, Marian Schuegraf. Para autoridades europeias, a aprovação do PL da devastação pode atravancar a ratificação do acordo UE-Mercosul, que era esperada até o final do ano. Um dos argumentos dos países que se opõem ao acordo seria o desmatamento no Brasil e exportação de produtos de cadeias com desmatamento. Delegações europeias em visita ao Brasil nos últimos dias indagaram sobre a tramitação da lei.

Segundo a ministra, a conclusão do acordo se torna ainda mais importante neste momento em que os Estados Unidos estão impondo tarifas contra produtos agrícolas brasileiros e o país precisa manter acesso a mercados com maiores exigências ambientais. E, daí, mais um motivo para não se aprovar o PL da flexibilização ambiental.

Mauro Munhoz, diretor artístico e cultural na Associação Casa Azul e cofundador da Flip, disse que nunca presenciou uma recepção tão afetuosa do público da festa a uma autoridade –já participaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando já havia saído do poder, e o ministro Gilberto Gil, mas que foi também como artista e fez um show.

Segundo Munhoz, que organizou o jantar para Marina, o assédio nas ruas só se igualou ao sofrido pelo influenciador Felipe Neto, que participou da Flip no ano passado e gerou tumulto de fãs, e pelo historiador britânico Eric Hobsbawm, que ficou conhecido como “Mick Jagger da Flip”, por causa da tietagem em Paraty na edição de 2003.

Em sua mesa, Marina admitiu as dificuldades da COP deste ano em Belém, mas não mencionou os desafios logísticos para a realização da conferência em Belém.

A Folha relatou nesta sexta-feira (1) que um grupo de 25 negociadores da assinou um documento no qual sugerem que, se os preços de hospedagem exorbitantes no Pará não forem resolvidos, o evento deveria, ao menos em parte, acontecer em outro local.

No texto, os signatários —inclusive de nações ricas— pedem que condições mínimas de acomodação e custo sejam atendidas, “seja em Belém ou em outro lugar”.

“A Cop30 acontece em um contexto geopolítico altamente desafiador, a maior potência bélica e econômica saiu do acordo de Paris e decidiu não só apoiar guerras bélicas, mas também fazer guerras tarifárias”, disse Marina, referindo-se aos EUA.

Marina citou os franceses Edgar Morin, Gilles Deleuze e os brasileiros Marilena Chauí, Florestan Fernandes, Benedita da Silva, Lula, Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis como suas grandes influências, mas começou mencionando Chico Mendes como seu “mestre irmão”. Ao relembrar o momento em que Mendes teria dito a ela que não teria como escapar da morte, porque “os cabras” estão vindo, ela se emocionou e voltou a chorar. O ambientalista Chico Mendes foi assassinado em 1988 no Acre.