PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Jacu. Essa ave brasileira meio desengonçada, que inspira uma gíria pejorativa para o camarada considerado pouco sofisticado, algo ignorante -tem lá a expressão “jacu da roça”, como se ser caipira fosse sinônimo de ser bobinho.
“Pobre jacu”, lamentou Gregorio Duvivier a sina dessa palavra com uma “rima pobre” (que o leitor infira o porquê) e nome científico que parece “de drag queen”: a ave chamada também Penelope obscura.
O escritor e humorista ocupou sozinho a última mesa desta sexta (1) na Flip, sem mediação. Foi apenas ele e um projetor que manuseou para espelhar num telão a sopa de letrinhas que ofereceu à plateia.
Duvivier faria, segundo a programação da festa literária, um “passeio performático pela vida íntima das palavras, esses seres fantásticos que nascem e morrem todos os dias e, entre uma coisa e outra, transam, trabalham, brigam, se divertem”.
Na prática, fez um puxadinho para sua peça “O Céu da Língua”, na qual Duvivier, formado em letras pela PUC-RJ, declara seu amor à língua portuguesa e suas escaramuças para se reinventar a todo instante.
Curadora da Flip, Ana Lima Cecilio anunciou a mesa como uma “insistência na alegria”, após debates nada leves no dia. Antecederam o monólogo de Duvivier conversas sobre genocídio -com o historiador israelense Ilan Pappe, crítico do governo de seu país- e crise ambiental -protagonizada por Marina Silva.
O riso de fato voltou à cena, com o bem-humorado texto sobre tantos vaivéns linguísticos.
“Põe uma peruca na cabeça de Alexandre de Moraes, e o Brasil talvez não fosse mais uma democracia”, diz Duvivier ao discorrer sobre o que separa calvo (dá pena) de careca (dá medo).
Há o palavreado que cai de maduro. Ele mesmo nasceu com esse nome, Gregorio, que “cheira a cânfora” e “não combina com criança”, brinca.
Dão um capítulo à parte as reformas ortográficas que, ao longo dos anos, derrubaram acentos como pinos de boliche.
“Voo” não tem mais acento porque “deu overbooking”, o circunflexo que ia em “pelo” “foi depilado”, a “joia” tinha “um pingente”, mas o perdeu, talvez “roubado no Rio de Janeiro”.
Duvivier colocou tempero político aqui e lá, como ao dizer que não fazia nenhum sentido a expressão “programa de índio” simbolizar algo chato.
“Motociata é sempre programa de homem branco”, afirma sobre a modalidade associada nos últimos anos a atos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
E tem mais: “Nunca vi indígena fazer chá revelação de bebê reborn”. Isso, sim, um programa para o qual não quer ser convidado. Coisa de jacu.