PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Para Tati Bernardi, seu trabalho é, além de literatura, uma grande “egotrip”. Ao responder uma questão sobre como fazer autoficção sem cair nessa tentadora viagem, Bernardi foi categórica ao dizer que sua escrita é também uma forma de autoelogio.
“Desde muito nova eu gosto de ser uma personagem principal para eu me esculhambar”, disse ela, que também é colunista da Folha de S.Paulo.
A fala ocorreu no debate “Escritoras no Divã”, realizado na Casa Folha da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) nesta sexta-feira (1º). Mediado pelo jornalista e editor Uirá Machado, contou com a presença da psicanalista e colunista da Folha Vera Iaconelli.
Entre as influências de Bernardi estão a francesa Annie Ernaux –autora de “Paixão Simples” e “O Lugar”, publicados pela Fósforo- e o também francês Édouard Louis, convidado da Flip em 2024, escritor favorito da colunista e autor de “Mudar: Método” e “Quem Matou Meu Pai”, ambos da Todavia. O comum entre os dois é que também são adeptos da autoficção.
Em “A Boba da Corte”, romance de Bernardi lançado este ano pela Fósforo, a escritora usa o humor para falar sobre sua trajetória de um bairro simples na zona leste de São Paulo até seu grande apartamento no cobiçado bairro Higienópolis. No percurso, ela mostra como a elite intelectual paulista a seduz e causa ranço, ao passo que confessa sua vontade de ser parte desta patota.
Enquanto Bernardi está acostumada a expor a própria vida e a de alguns outros em seus livros, colunas e podcasts, esse terreno ainda não é convencional para Iaconelli. Em seu novo livro, “Análise”, publicado pela Zahar neste ano, ela expõe a relação com seus familiares, psicanalistas e parceiros amorosos.
Segundo Iaconelli, jogar luz sobre sua vida pessoal tem causado estranheza, “uma adrenalina muito inédita”. A obra passa pelo seu processo de análise, a morte de seus irmãos e a relação com maridos, namorados e filhas. Por meio da escrita de caráter autobiográfico, ela explora os limites e o poder da psicanálise.
Mostrar a intimidade de terceiros gerou questões, mas a reação foi melhor do que a esperada por Iaconelli. A psicanalista afirma que contar a própria história e torná-la pública pode ser uma forma de dar dignidade ao vivido, principalmente aos momentos dos quais muitas vezes se envergonha.
Isso criou uma possibilidade de diálogo que talvez a gente nem tivesse antes”, disse ela sobre a relação com os familiares. “Basicamente o saldo tem sido positivo.”