SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O enviado especial dos Estados Unidos para o Oriente Médio, Steve Witkoff, visitou nesta sexta-feira (1º) um dos controversos centros de distribuição de ajuda apoiados por Washington nos quais centenas de palestinos foram mortos por soldados israelenses, segundo a ONU.

Horas após a visita, médicos palestinos relataram mortes perto de um desses pontos, coordenados pela FHG (Fundação Humanitária de Gaza).

O embaixador dos EUA em Israel, Mike Huckabee, que acompanhou o enviado, postou na rede social X uma foto mostrando moradores de Gaza esperando por comida atrás de uma cerca de arame farpado e um cartaz da fundação com uma grande bandeira americana, onde se lia: “100 milhões de refeições entregues”.

Witkoff, um ex-advogado imobiliário próximo de Donald Trump e sem experiência em política humanitária, é a primeira autoridade americana de alto escalão a visitar Gaza desde o início da guerra no território, em outubro de 2023.

A visita acontece no mesmo dia em que as Nações Unidas afirmaram que mais de 1.370 palestinos foram mortos em Gaza durante entregas de ajuda desde 27 de maio, quando a FHG começou a operar no território. A entidade, por sua vez, afirma que ninguém foi morto em seus pontos de distribuição e que está fazendo um trabalho melhor na proteção das entregas de ajuda do que a ONU.

“A maioria desses assassinatos foi cometida pelo Exército israelense”, afirmou o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos nos Territórios Palestinos. “Embora estejamos cientes da presença de outros grupos armados nas mesmas áreas, não temos informações que indiquem seu envolvimento nesses assassinatos.”

Segundo a delegação da ONU, 859 pessoas foram mortas perto das instalações da FHG e 514 ao longo das rotas de transporte de alimentos, e a maioria das vítimas é formada por homens e meninos jovens. “Esses não são meros números”, disse a organização, afirmando que não tem informações que indiquem que as vítimas “participaram diretamente das hostilidades ou representaram uma ameaça às forças de segurança israelenses”.

Após Witkoff sair de Gaza, médicos palestinos disseram que forças israelenses mataram a tiros três pessoas perto de um centros da fundação em Rafah, no extremo sul do território. Não foi possível verificar imediatamente se as mortes ocorreram no mesmo local da visita.

Além dos três baleados, médicos disseram que pelo menos outros 12 palestinos foram mortos em ataques aéreos em Gaza nesta sexta. Israel não respondeu imediatamente a um pedido de comentário da agência de notícias Reuters sobre os relatos.

Tel Aviv substituiu o sistema de ajuda da ONU pelo da FHG após bloquear a entrada de ajuda no território palestino por 11 semanas no primeiro semestre, o que levou a um colapso do sistema humanitário local, segundo entidades.

Na ocasião, Israel justificou a mudança sob a acusação de que o Hamas rouba suprimentos, embora um relatório produzido em junho pela Usaid, a agência de ajuda externa americana, tenha constatado que não há provas de roubo sistemático de comida pelo grupo terrorista.

Nesta sexta, o porta-voz da FHG, Chapin Fay, insistiu na acusação. “O presidente Trump entende o que está em jogo em Gaza e que alimentar civis, e não o Hamas, deve ser a prioridade”, disse ele em um comunicado, acompanhado de imagens de Witkoff vestindo uma blusa cinza camuflada, colete à prova de balas e boné de beisebol com a inscrição “Make America Great Again” (Faça a América grande novamente, em inglês) e com o nome de Trump bordado nas costas.

Nas últimas semanas, fotos de crianças desnutridas causaram comoção mundial, e, após mais de cem organizações denunciarem as restrições impostas por Tel Aviv a comboios de alimentos, Israel criou corredores humanitários para permitir o movimento seguro de veículos da ONU e iniciou lançamentos aéreos, uma técnica vista como arriscada. Nesta sexta, Espanha, França e Alemanha começaram a enviar suprimentos dessa forma.

“Os lançamentos aéreos são pelo menos 100 vezes mais caros do que as entregas por caminhões. Caminhões transportam o dobro de ajuda que aviões. Se há vontade política para permitir lançamentos aéreos -que são altamente caros, insuficientes e ineficientes-, deveria haver vontade política semelhante para abrir os cruzamentos de estradas”, afirmou nesta sexta Philippe Lazzarini, diretor da UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos.

De acordo com estatísticas militares israelenses, uma média de cerca de 140 caminhões de ajuda entraram em Gaza diariamente durante a guerra, cerca de um quarto do que as agências humanitárias internacionais afirmam ser necessário.

Antes da visita de Witkoff, a ONG Human Rights Watch afirmou que o sistema de distribuição de ajuda estabelecido por Israel e EUA é uma “armadilha mortal” que se tornou palco de “banhos de sangue” para os moradores de Gaza.

Quando começou a operar, em maio, o sistema tinha apenas quatro pontos de entrega para atender uma população de mais de 2 milhões de pessoas -a infraestrutura anterior, coordenada pela ONU, contava com 400 centros. Organizações que atuam no território se recusaram a colaborar com o recém-criado órgão devido ao seu modo de funcionamento, considerado pouco transparente.

Às vésperas do início da operação, o próprio chefe da fundação naquele momento, Jake Wood, abandonou o cargo sob a justificativa de que a organização não conseguiria aderir aos “princípios humanitários de humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência”.

Resoluções da Assembleia-Geral da ONU determinam que a ajuda deve se guiar apenas pela necessidade das pessoas afetadas, sem qualquer distinção religiosa, política ou ideológica, e deve ser supervisionada por uma parte neutra.