SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O setor de infraestrutura brasileiro está extasiado. Executivos de empresas, lideranças do setor e representantes de entidades avaliam que o país vive hoje um ciclo vigoroso de investimentos, com ambiente favorável à entrada de capital privado e maior articulação entre os entes públicos.

Em evento promovido nesta sexta-feira (1º) pelo Lide, grupo de empresários liderado pelo ex-governador de São Paulo João Doria, o clima de animação ficou claro.

“Nós vivemos um momento muito particular, um ciclo virtuoso que há algumas décadas não acontecia na infraestrutura”, disse Venilton Tadini, presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). “Eu não via um ciclo expansivo dessa ordem desde a segunda metade dos anos 1970.”

Em painel sobre infraestrutura e saneamento, Tadini elencou alguns dos motivos que permitiram ao Brasil de hoje surfar esta a maré.

Um deles foi a criação do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), no governo Michel Temer (MDB), que teria sido essencial para reorganizar o setor e atrair capital privado de forma mais estruturada. Segundo Tadini, o programa permitiu dar uma cara para concessões e PPPs muito parecida com a estrutura que havia sido montada no início do programa de privatização, na década de 1990.

De acordo com o representante, a Abdib tem um estudo que aponta que o Brasil tem hoje 550 projetos prontos para licitação que somam R$ 750 bilhões em investimentos.

“É o maior programa de infraestrutura que se tem hoje [no mundo]”, afirmou. “Devemos chegar a quase R$ 300 bilhões em investimentos neste ano. É um ciclo vigoroso de crescimento.”

Durante o evento, Tadini também procurou responder a ataques que o atual ciclo de infraestrutura recebe.

“Eu vejo hoje bons economistas fazendo críticas ao papel do Estado em relação aos projetos como se fosse ainda o desdobramento dos PAC 1 e 2. Não perceberam o que aconteceu. Hoje nós temos uma estrutura de mitigação de risco público-privado diferente, as análises de viabilidade de desempenho mudou completamente. A estrutura de seguros é mais bem estruturada”, afirmou.

O otimismo foi compartilhado por outros participantes do encontro. André De Angelo, CEO da Acciona Brasil, disse que o Brasil hoje lidera em volume de projetos estruturados.

“Estamos diante de uma oportunidade concreta de modernizar nossa infraestrutura. Não tem outro país com um pipeline tão acessível e bem estruturado.”

O executivo, contudo, defende um aumento substancial no volume de recursos investidos no país. Segundo ele, o Brasil deve fechar 2025 com R$ 280 bilhões em investimentos em infraestrutura, cifra que seria menos da metade necessária para acompanhar o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).

“Esse investimento hoje mal mantém a infraestrutura existente”, disse.

Sobre essa questão, Carlos Piani, CEO da Sabesp, tentou trazer um alento. Pela sua análise, o mundo vive hoje um imbróglio cuja saída pode resultar em aumento da inflação. Em razão disso, investidores globais estão buscando ativos protegidos por inflação, que é uma das naturezas do setor de infraestrutura.

“É uma conjuntura muito propícia para a gente destravar alguns investimentos. Claro que os juros estão um pouco mais altos. Mas eu acho que esse ciclo econômico vai permitir ter muito interesse para ativos com ‘duration’, quer dizer, prazos mais longos e protegidos por inflação”, afirmou.

Visão semelhante foi compartilhada por Marco Aurélio Barcelos, presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias). Para ele, o setor de infraestrutura brasileiro vive hoje seu melhor momento, o que deve se transformar em uma janela para fazer mais negócios.

Barcelos lembrou que o Brasil hoje possui a segunda maior malha rodoviária concedida do mundo, atrás apenas da China, que opera com um modelo estatal. Segundo ele, a expectativa é de que o setor de rodovias dobre de tamanho nos próximos anos.

“O mercado que mais vai atrair oportunidades é o Brasil. O mesmo ocorre com o saneamento”, disse. “Nós precisamos reconhecer o momento que vivemos hoje, de entusiasmo.”

Mas apesar do otimismo, membros do setor também levantaram desafios e fizeram críticas a medidas que, segundo eles, podem minar a sustentabilidade do ciclo em curso.

Tadini e Barcelos destacaram mudanças recentes em regras de financiamento. Um dos pontos mais criticados foi a MP (medida provisória) que aumentou a tributação sobre debêntures incentivadas -títulos de dívida usados para captar recursos em infraestrutura.

Editada pelo governo federal, a medida abriu uma crise silenciosa em ministérios do governo Lula (PT) e outra nem tão silenciosa assim com o setor privado.

Proposta pelo Ministério da Fazenda como alternativa à alta do IOF (Imposto de Operações Financeiras), a MP eleva a tributação das empresas sobre os rendimentos obtidos por meio desses títulos de renda fixa, que estão diretamente vinculados à captação de recursos nas áreas de logística, energia, saneamento, mobilidade urbana e telecomunicações.

“Isso beira a irracionalidade”, disse Tadini. “Quem fez isso tem uma visão fiscalista de curtíssimo prazo e não tem noção das consequências disso na retomada do crescimento.”

Barcelos fez coro às críticas e também mencionou os impactos da reforma tributária sobre contratos já em vigor.

“A reforma tributária foi ótima, foi uma conquista, mas ela traz impacto sobre os contratos existentes”, disse. Segundo ele, a lei que regulamentou a reforma prevê reequilíbrio econômico decorrentes do aumento de alíquota e, embora algumas agências reguladoras já estejam nesta corrida pelo reequilíbrio, a realidade no resto do país é diferente.

Na avaliação de Barcelos, focar isso é importante para evitar a destruição do fluxo de caixa das concessionárias.