SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ney Matogrosso ficou surpreso ao receber do coreógrafo Alex Neoral o convite para interpretar músicas para o espetáculo “Entre a Pele e a Alma”, da Focus Cia de Dança. O cantor nunca havia feito isso, porém, resolveu arriscar e aceitou a participação especial.

“Gostei muito do resultado”, afirma Ney, referindo-se especialmente às quatro letras e arranjos dos músicos Sacha Amback e Paula Raia.

A aproximação começou em 2012, quando Neoral, diretor do grupo de dança contemporânea, coreografou o musical “Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz”, sobre o cantor e compositor com quem Ney viveu uma relação intensa. Os dois foram apresentados e a ideia de parceria avançou em 2021, após Ney assistir “Vinte”, espetáculo da Focus inspirado na escritora Clarice Lispector.

“Entre a Pele e a Alma”, em cartaz até este domingo (3) no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, é uma superprodução em dois atos que tem como referência o tríptico “Jardim das Delícias Terrenas”, de Hieronymus Bosch. A montagem faz parte da programação da Circulação Petrobras Focus 25 anos.

“Não é uma biografia do Ney, não é um espetáculo que é um documentário, não tem nada a ver com a vida dele”, diz o coreógrafo. O viés é outro. A conexão ocorre entre o corpo liberto e sem pudores do artista com as delícias da obra de Bosch.

“Toda manifestação artística me interessa”, diz o cantor, conhecido por suas coreografias sensuais no palco e também por projetos de iluminação, participações em obras como ator e, claro, pela voz impecável aos 84 anos.

Ele conta que começou a experimentar os efeitos corporais da música quando participou do coro da peça “A Viagem”, baseada na epopeia “Os Lusíadas”, no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, na década de 1970.

“Pensei em como meu corpo corresponderia ao que estava ouvindo. Descobri que era possível”, recorda.

Chegou a fazer uma aula com o bailarino e coreógrafo Lennie Dale, mas percebeu que, para ele, a dança é livre, sem técnicas e regras. “Dali pra frente, toquei o meu barco sozinho”.

“É um corpo mais primitivo, mais animal, mais instintivo. Busquei com meus bailarinos trazer esse lado mais visceral”, diz Neoral, sobre a inspiração artística.

Essas características aparecem também no cenário, com tecidos pendurados como se fossem vísceras, e no figurino, com momentos em que os músculos estão à mostra, em uma referência ao título da montagem, entre a pele e a alma.

“Embora pareça um nome muito delicado e sensível, é a carne. É o lado mais carnal, mais animal que o espetáculo provoca”, diz o coreógrafo.

As músicas cantadas por Ney foram compostas especialmente para “Entre a Pele e a Alma”. Elas fazem parte do EP “Pássaro Branco”, lançado em junho.

O espetáculo estreou no ano passado, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com elenco de dez artistas em cena. No roteiro, que evoca os sete pecados capitais, aparecem dilemas ancestrais, como o direito ao prazer.

“Deus surge nos trejeitos e até em figurinos inspirados em Ney Matogrosso. Ele é o nosso Deus por tudo o que simboliza”, afirma Neoral.

Uma das inspirações é a expressão corporal do cantor quando ele canta “Sangue Latino”. Há referências também ao figurino, como uma saia de franjas e uma calça prateada.

Os 75 minutos de dança incluem aspectos do Carnaval, números solos e aéreos e nudez parcial.

“É lindo admirar o corpo íntegro e pleno dos bailarinos ao longo da coreografia, ora sem figurinos, porque é parte da natureza do que nós somos e de extrema beleza”, declara Ney.

O coreógrafo já criou outros espetáculos inspirados em grandes artistas, como “As Canções que Você Dançou para Mim”, com músicas de Roberto Carlos, prestes a completar 400 apresentações; “Saudade de Mim”, que combina a obra de Cândido Portinari à música de Chico Buarque; e a recente “Carlota: Focus Dança Piazzolla”, com 11 composições do argentino Astor Piazzolla.

“É algum interesse meu com aquele artista, é alguma afinidade, algo que eu enxergue, que eu possa misturar com a minha arte e transformar em algo novo”, diz Neoral sobre o processo de criação.

Ney vive uma fase de grande repercussão em torno de sua vida, principalmente por causa do filme “Homem com H”, de Esmir Filho, em que é interpretado por Jesuíta Barbosa.

Ele não para de receber mensagens e comentários sobre a obra, muitas vindas de outros países, onde o filme é exibido. Tem uma resposta afiada para quem critica as cenas de nudez, uso de drogas e sexo em grupo. “Só quem não sabe como era a década de 1970 é que reclama. Era assim que a gente vivia”.

O artista está envolvido com outra novidade em sua trajetória, a homenagem da Imperatriz Leopoldinense no Carnaval de 2026.

Ele queria desfilar à paisana, com uma roupa branca, mas foi convencido pelo carnavalesco Leandro Vieira sobre a necessidade de mais brilho. Então, sugeriu um figurino de mestre-sala, simples e bonito.

“Me convidam desde a década de 1970 —para ser enredo—, mas esse ano não sei o que deu em mim que estou aceitando tudo”, diverte-se.

ENTRE A PELE E A ALMA

– Quando Sex. (1º) e sáb. (2), às 20h; dom. (3), às 19h

– Onde Teatro Sérgio Cardoso – r. Rui Barbosa, 153, São Paulo

– Preço R$ 50

– Classificação 14 anos

– Direção Alex Neoral