PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – O escritor e jornalista Ruy Castro arrancou risos da plateia ao ironizar as ferramentas de inteligência artificial na Casa Folha, na Flip, nesta quinta-feira (31). Ele estava lá para falar de seu último livro, “Trincheira Tropical”, no qual conta os efeitos da Segunda Guerra na vida pública e privada do Rio de Janeiro.
Mas, diante das pesquisas tão extensas que faz para suas obras -em alguns casos, centenas de entrevistas-, uma pessoa do público ficou curiosa para saber se ele não usava ferramentas de IA. “Querida, eu não sei nem o que é isso”, rebateu Castro, fazendo a plateia rir. “Acho que é inteligência artificial, mas não tenho essa intimidade para chamar de IA.”
Autor de biografias como as de Garrincha e Nelson Rodrigues, ele disse que muitas vezes escolheu escrever livros sobre histórias que estavam esquecidas no momento em que os publicou -e que, por isso, foi “um fornecedor involuntário por anos e anos” da Wikipédia.
Mas disse que adota, sim, ferramentas tecnológicas. O IMDb, por exemplo, uma plataforma com informações de filmes, aposentou as enciclopédias de cinema que tem em casa.
“Quando quero saber alguma coisa, pergunto para o Google e ele me responde. Às vezes”, afirmou, com uma ponta de ironia. “Agora estou sabendo que a IA não vai mais me deixar usar isso, vai resolver o que eu quero saber. Estou preocupado. Aparentemente, estamos condenados à ditadura da IA nos próximos tempos.”
Castro foi entrevistado pelo jornalista Uirá Machado, editor da CasaFolha, a plataforma de streaming com cursos exclusivos lançada pelo jornal. Na conversa sobre “Trincheira Tropical”, o autor falou sobre as dificuldades de escrever obras de reconstituição de época como essa, na comparação com as biografias, pelas quais é mais conhecido.
“Embora possa parecer complexa, a biografia é simples: o sujeito nasce aqui e morre ali. Em segundo plano fica o cenário em que ele viveu”, afirmou. “Já a reconstituição histórica é mais complicada, porque você tem um cenário em primeiro plano. E esse cenário é habitado por 300 pessoas que entram e saem da história.”
Castro contou que resolveu abordar essa história porque ninguém ainda o tinha feito. Havia livros sobre a atuação das forças armadas brasileiras na Itália, a Segunda Guerra, ou sobre as colônias japonesa ou alemã no país, mas nenhum sobre o Rio de Janeiro.
Mesmo os relatos que existiam sobre a atuação dos pracinhas na Europa eram limitados, por serem de oficiais que não viveram de fato o campo de batalha.
“Os pracinhas não falavam nem escreviam porque queriam esquecer o que tinham passado lá, de tão terrível. Saiu uma meia dúzia de livros quase secretos nesse período, achei todos eles.” Ele lembrou como o Rio de Janeiro da época era um serpentário de espiões e traidores que atuavam a favor das forças do Eixo.
“O sujeito alugava um andar num edifício alto para ficar de binóculo para ver qual navio estava saindo com cargas para a Inglaterra e os Estados Unidos e que, por isso, precisava ser bombardeado”, disse. “Mais de mil brasileiros morreram, e foi isso que levou o país a declarar guerra à Alemanha.”
No livro, Castro conta como as três grandes forças políticas do período -o fascismo, o comunismo e a democracia- se expressavam na política e na sociedade brasileiras. E contou os paralelos que viu com o Brasil contemporâneo.
“O integralismo era a extrema-direita da época. Se você olhar o governo anterior, a receita é a mesma. Começa com uma pregação contra a política, embora todos eles sejam políticos. Depois, tem que ter uma figura carismática; no caso, era o Plínio Salgado”, disse.
“Quando houve o colapso da Bolsa de Nova York, concluiu-se que o governo liberal não era capaz de prevenir crises, então eram necessários governos autoritários que tomassem conta da nação. Isso explicou a Itália de Mussolini, a Espanha de Franco e o Brasil de Getúlio Vargas. A entrada do Brasil na guerra ajudou a desmontar esse panorama.”
Ao ser questionado sobre seu novo livro pelo mediador e por alguém da plateia, Castro desconversou. Só revelou que vai falar de uma geração que ele viu pessoalmente -“sei onde estão enterrados todos os cadáveres”, respondeu, garantindo que é seu livro preferido. O preferido, afinal, é sempre o mais recente.