PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Fechar os olhos do mundo para o que está acontecendo na Palestina é uma “coisa perversa” que o governo israelense fez em sua guerra contra o Hamas. O “bloqueio total e absoluto à imprensa estrangeira” instalado no começo do conflito, para a repórter especial da Folha de S.Paulo Patrícia Campos Mello, deveria ter sido mais denunciado pela comunidade internacional.
“Você só tem jornalistas locais, heróis, que estão morrendo às moscas”, a vencedora do prêmio Maria Moors Cabot afirmou nesta quinta (31), na Casa Folha, numa conversa mediada pela repórter Victoria Damasceno, que assumirá o posto de correspondente do jornal na China em breve.
“Em qual guerra no mundo uma das partes vai falar assim ‘ninguém entra, ninguém cobre o que eu tô fazendo aqui dentro’, e tá todo mundo lá falando ‘tudo bem, a gente espera aqui fora’? Acho que foram pouquíssimos veículos que entraram muito rápido, e só com as forças [israelenses].”
Com o disclaimer de que não vai “passar pano pro Hamas”, grupo terrorista contra o qual o governo Benjamin Netanyahu está em guerra, a jornalista diz que “o nível de crimes de guerra que estão sendo cometidos lá dentro [na Palestina] são abissais”. “Isso é uma conclusão generalizada, né? Você tem até ONGs israelenses falando isso.”
“Justifica que o governo israelense esteja sob o mesmo escrutínio que esteve, por exemplo, o Assad, que fazia a mesma coisa, matava as pessoas de fome.” Ela se refere a Bashar al-Assad, ditador sírio deposto em 2024.
Da Síria à Ucrânia, Mello tem farta experiências escrevendo reportagens sobre grandes conflitos internacionais.
Mello tem medo? Para responder essa pergunta, ela conta do que ouviu do pai certa vez: não poderia ser “nem muito medrosa”, sem sair do hotel para ver o que está acontecendo nas ruas, “nem muito corajosa, ou você não sai com a matéria”.
Acha “meio desrespeitoso com as pessoas que moram” nesses lugares se distanciar do drama que elas vivem. “Se você é um jornalista, está indo para lá porque você quer. Tem sua casa, sua cama quentinha, vai embora quando você quiser. Então, se você ficar lá pagando de herói, é ridículo. As pessoas que estão lá não têm opção, elas estão indo comprar pão no mercado todo dia e podem pisar numa mina.”
Mello é autora de dois livros pela Companhia das Letras, “Lua de Mel em Kobane”, sobre um casal de sírios que se apaixonou pela internet e foi morar numa área dominada pelo Estado Islâmico, e “A Máquina do Ódio”, sobre o uso das redes sociais para disseminar fake news e ameaçar a liberdade de imprensa. No papo com plateia lotada, ela falou sobre intempéries dessa cobertura. Algumas são bem mundanas.
Quando foi à Ucrânia, país em embate com a Rússia, por exemplo. Estava com forças ucranianas e avisou: “Fulano, tenho que ir ao banheiro”. Ok. Aí vem a orientação: mas tem drone lá fora, espera. Liberada, sai correndo à noite, num escuro, sem lanterna, à procura da fossa. E não pode deixar de refletir: “O que é pior, um drone na cabeça ou eu cair literalmente nesta merda?”.
Seu gênero muitas vezes facilita o trabalho, diz. Como ter acesso a mulheres que, por interdição de certas culturas muçulmanas, não poderiam falar com profissionais homens. “Entrar na casa dos outros é muito mais fácil enquanto mulher.”
A experiência mais sexista que viveu no Afeganistão, contudo, foi com um soldado americano que lhe perguntou por que brasileiras “gostavam de fio dental”. Na hora, só pensou: “Sério? A gente tá num tanque.”