SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça Federal no Rio Grande do Sul determinou a anulação do ato administrativo que criou cotas para transexuais na FURG (Universidade Federal do Rio Grande), em 2023. Os alunos que ingressaram na instituição por meio da política devem ter suas matrículas canceladas ao fim deste ano letivo. Cabe recurso.

Na decisão, o juiz substituto Gessiel Pinheiros de Paiva, da 2ª Vara Federal de Rio Grande, argumenta que a ação afirmativa não foi bem fundamentada e viola a isonomia ao favorecer uma população. “Foi criada uma vantagem não justificada para uma determinada categoria de pessoas, com base em característica pessoal”, escreveu o magistrado no despacho, da última sexta-feira (25).

Ele afirma ser insuficiente a justificativa baseada no número de assassinatos de pessoas trans no Brasil, como fez a Furg. O país, segundo levantamentos de organizações sociais, é o país que mais mata essa população.

Paiva, usando dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), diz que ocorreram 781 assassinatos de pessoas trans entre 2017 e 2021 —a média foi de 156 casos por ano.

O magistrado compara os resultados ao número geral de homicídios no país. Estima-se, segundo o Atlas da Violência, que 616.095 pessoas foram assassinadas que entre os anos de 2011 e 2021, correspondendo a pouco mais de 61 mil pessoas mortas anualmente.

“Portanto, se constata que o número de assassinatos de pessoas trans no Brasil não possui nada de diferente (ao contrário, é ainda várias vezes menor em percentuais) do que a violência geral que assola o país, não havendo como tais dados serem considerados como relevantes para instituição de políticas afirmativas de ingresso em universidade”, concluiu o juiz.

Ele ainda ressaltou que universidades federais têm autonomia para elaborar suas próprias normas internas, mas que a autonomia para criação de políticas afirmativas não é livre e irrestrita.

A decisão determina o fim do vínculo dos alunos aprovados por meio das cotas trans ao fim deste ano. De 2023 a 2025, a Furg reservou 30 vagas ao grupo.

A ação pública que motivou o despacho foi movida pelos advogados Bruno Cozza Saraiva e Djalma Silveira da Silva há dois anos. Nenhum deles respondeu aos contatos da reportagem nesta quinta.

No pedido, os homens argumentam ser a promoção de cota para trans “política ideológica que, há tempos, vem ocupando as universidades brasileiras” e não haver na lei a previsão para esse tipo de programa.

Em 2023, uma liminar da 2ª Vara de Justiça de Rio Grande suspendeu edital que criava vagas exclusivas para o ingresso de transgêneros na Furg. Dias depois, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região derrubou a decisão.

A Universidade Federal do Rio Grande afirma que, até o momento, não foi intimada de qualquer decisão em relação ao tema. “A instituição reafirma o seu posicionamento em defesa da sua comunidade acadêmica, e em especial a autonomia universitária, preceito que baliza e legitima as deliberações democráticas aprovadas pelo Conselho Universitário e nas demais esferas deliberativas da instituição”.

A reitoria da instituição ainda diz ter compromisso com a democratização do acesso ao ensino superior e afirma que se coloca à disposição da sua comunidade acadêmica, tanto para acolhimento, quanto para a defesa dos seus direitos.

O Diretório Central dos Estudantes da Furg manifesta “total indignação e aversão” a toda e qualquer forma de ataque ao processo seletivo voltado à comunidade transgênero na universidade.

“Nossa universidade é pública, gratuita e socialmente referenciada, e assim sendo não iremos aceitar nenhum passo para trás”, diz a entidade.