PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Na semana em que entregou ao editor a última versão de seu primeiro romance, “Degola”, pela Companhia das Letras, a escritora, artista plástica e jornalista paraense Monique Malcher ficou com medo de morrer.
“Eu não tinha nada, mas fiquei com muito medo de morrer porque a escrita sempre foi um lugar proibido, que não era para mim, e hoje tenho medo de morrer antes de conseguir contar as histórias dos lugares de onde eu vim”, explica ela, que participa de uma mesa nesta quinta (31), às 17h, na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip.
Malcher foi premiada em 2021 com o troféu Jabuti de melhor livro de contos por seu primeiro trabalho literário, “Flor de Gume”, tornando-se a segunda escritora da região Norte do Brasil a receber o prêmio em uma categoria de ficção. “Fico incomodada de ser a segunda no Jabuti e uma das poucas nos espaços que ocupo hoje”, diz.
Seu motor foi o incômodo com o que identifica como uma ideia cristalizada do que é a existência de uma mulher da Amazônia paraense. “Queria escrever um livro que fosse um espelho no qual eu pudesse me enxergar e enxergar as minhas ancestrais.”
Já “Degola”, o romance que chega agora às livrarias, dialoga tanto com a morte que volta e meia assombra Monique quanto com os territórios que ela quer apresentar também de maneira menos estereotipada.
“‘Degola’ veio de uma vontade muito grande de contar uma história que se passasse numa ocupação porque, quando eu era criança, morei com a minha mãe numa ocupação em Manaus, mas eu não tenho lembranças deste momento da minha vida, e minha mãe não gosta de falar sobre o assunto”, conta ela.
Para recriar este universo, Monique se valeu de técnicas do jornalismo e da antropologia, que marcaram sua trajetória profissional e acadêmica.
Seus tempos de repórter de jornal em Belém foram marcados pela cobertura do noticiário policial, brutal por natureza. Quando entendeu que seu interesse pelos personagens que encontrava extrapolaram a ligeireza do jornalismo diário, foi para o mestrado em antropologia e descobriu que o que gostava mesmo de fazer era etnografia.
Monique então foi a campo, fez entrevistas, pesquisou imagens, recolheu notícias sobre lideranças de movimentos de moradia na capital do Amazonas dos anos 1990, quando as promessas da Zona Franca de Manaus geraram um grande fluxo de migrantes em busca de teto.
“Toda vez que tenho a ideia de uma história de ficção, eu já sei que é no campo que eu vou encontrá-la de verdade”, diz. “O jornalismo e a etnografia estão comigo neste processo em que a ficção sai do lugar sagrado do escritor diante de sua mesa. Faço ficção no encontro com o outro. É ouvindo as pessoas que encontro a ficção que eu preciso escrever.”
Cada imagem, recorte de jornal, conversa ou impressão ganharam espaço num caderno que Monique preencheu também com ilustrações suas relacionadas aos temas do livro: a terra, a morte, os conflitos entre grileiros e lideranças comunitárias, a precariedade das vida nas ocupações.
Um de seus desenhos deste caderno ilustra a capa do livro.
“Escrever sobre uma família numa ocupação é como rememorar esse universo através de outras histórias”, afirma a escritora, que lança mão de uma prosa poética para costurar passado e presente, memória e sonho, raiva e resignação, política e ativismo social. “Poesia é não pagar aluguel no Brasil”, escreve ela no livro.
“Degola” conta a história de Sol, protagonista e narradora da história que ora é a criança cuja família muda de Santarém, no Pará, para a ocupação Mundo Novo em Manaus, ora é a mulher que rememorar aqueles dias, seus traumas e respectivas repercussões.
“A escrita se tornou para mim um projeto político, uma forma de alcançar o mundo e de poder falar das coisas que ninguém fala: os lugares que eu vi, que eu senti, o meu território. E, neste sentido, a escrita é a minha maneira de burlar a morte.”
DEGOLA
– Quando Mesa na Flip nesta qui. (31), às 17h, no Auditório da Matriz
– Preço R$ 74,90 (176 págs.); R$ 29,90 (ebook)
– Autoria Monique Malcher
– Editora Companhia das Letras
– Link: https://www.youtube.com/watch?v=LD2hv6w4LQ0