BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou nesta quinta-feira (31) que há muita injustiça na sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros aplicada pelos Estados Unidos e que o governo brasileiro vai recorrer da decisão de Donald Trump.

“Vamos recorrer nas instâncias devidas, tanto nos Estados Unidos quanto nos organismos internacionais, recorrer dessas decisões no sentido de sensibilizar”, afirmou. “Isso não interessa à América do Sul, nós estamos no mesmo continente, nós estamos buscando mais integração, mais parceria.”

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia a possibilidade de recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio). Segundo autoridades brasileiras, a ação junto ao órgão seria mais um gesto simbólico, de valorização do sistema multilateral de solução de controvérsias.

A organização está paralisada por uma obstrução dos EUA iniciada há quase 10 anos e, mesmo que estivesse em funcionamento, um julgamento no órgão poderia se arrastar por anos.

O chefe da equipe econômica avalia que as exceções de quase 700 itens colocam o país em um “ponto de partida mais favorável” e afirma que as negociações continuam. “Essa semana é o começo de uma conversa mais racional, mais sóbria, menos apaixonada”, disse.

Haddad deve voltar a se reunir com o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent. Os dois se encontraram pessoalmente em maio na Califórnia.

“Observações foram apreciadas e contempladas. Estamos longe do ponto de chegada, estamos num ponto de partida mais favorável, mas longe do ponto de chegada. Há muita injustiça nas medidas que foram anunciadas”, afirmou. “Há setores afetados que não precisariam estar sendo afetados, nenhum a rigor, mas há casos que são dramáticos, que deveriam ser considerados imediatamente”, acrescentou.

Segundo Haddad, o plano de contingência para mitigar os efeitos do tarifaço de Trump está sendo adaptado em função das medidas anunciada pelos americanos e deve ser lançado nos próximos dias.

“Parte do nosso plano previsto vai ser apreciado para ser lançado nos próximos dias, de apoio à proteção à indústria brasileira, aos empregos no Brasil, ao agro também”, disse.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, entre as medidas, há a possibilidade de se criar um fundo privado temporário para facilitar a concessão de crédito a empresas ou setores afetados pelo tarifaço. O governo também avalia incluir ações de preservação de empregos em modelo similar ao programa emergencial de manutenção de trabalho e renda criado na pandemia.

“Nós vamos agora calibrar justamente à luz do que foi anunciado ontem [quarta], nós vamos fazer a calibragem para que isso possa acontecer o mais rápido possível. Os atos já estão sendo preparados aqui na Fazenda para encaminhamento à Casa Civil”, complementou Haddad.

As exceções livram 43% dos itens brasileiros exportados para os Estados Unidos, segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo. Ficarão isentos do tarifaço, por exemplo, derivados de petróleo, ferro-gusa, produtos de aviação civil e suco de laranja. Por outro lado, carnes, café e pescado não escaparam da taxação.

O ministro da Fazenda ressaltou que alguns setores, mesmo que sejam menos significativos na pauta exportadora brasileira, podem sofrer maior impacto com a sobretaxa imposta pelos EUA.

“Tem setores afetados cuja solução de curto prazo é mais fácil, porque ou se trata de uma commodity, o Brasil tem muitos mercados abertos, mas ainda esses vão exigir algum tempo de adaptação, você não muda um contrato de uma hora para a outra”, disse.

“Nós vamos ter que analisar caso a caso, vamos ter as linhas disponíveis para isso, mas eu preciso observar que todo mundo vai se adaptar, e as negociações vão se aprofundar.”

A ordem executiva que implementou as tarifas citou o nome de Jair Bolsonaro (PL) e diz que o ex-presidente —réu no STF (Supremo Tribunal Federal) em processo que apura trama golpista em 2022— sofre perseguição da Justiça brasileira.

O texto dizia ainda que políticas, práticas e ações recentes do governo brasileiro ameaçam a segurança nacional, a política externa e a economia dos EUA. Também acusava o Brasil de violar direitos humanos.

A jornalistas, Haddad rebateu os argumentos, colocando o Brasil como “um dos países mais democráticos do mundo hoje”, com instituições livres, e signatário de acordos internacionais.

As tratativas com os EUA devem incluir, segundo o ministro, explicações sobre o funcionamento do Judiciário brasileiro. “Tem que haver compreensão de uma democracia de como funciona a outra democracia. Precisamos levar em consideração que nós temos um Poder Judiciário que funciona”, disse.

“E quando ele não funciona, ou quando se tem a percepção de que ele não está funcionando bem, você tem o Comitê de Direitos Humanos da ONU [Organização das Nações Unidas]”, acrescentou.