SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um novo estudo concluiu que, de forma geral, não é possível dizer que a faixa azul, sinalização viária para circulação de motocicletas, reduz lesões e mortes no trânsito. O trabalho foi feito por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo), da UFC (Universidade Federal do Ceará), do Instituto Cordial e da organização de saúde Vital Strategies. Os dados ainda são preliminares.
O documento foi apresentado nesta quarta-feira (30) em Brasília, em uma série de eventos na Semana Nacional de Prevenção a Acidentes com Motociclistas, que está sendo realizada pela primeira vez e instituída a partir de lei sancionada em outubro do ano passado.
O comportamento de motociclistas foi analisado em 190 km de vias sinalizadas na cidade de São Paulo. O número deve crescer para 240 km quando o relatório final for publicado em setembro. Foram consideradas sinalizações implantadas entre janeiro de 2022 e julho de 2024.
O estudo é pioneiro nesse tipo de análise, pois a faixa azul uma inovação recente no trânsito brasileiro, que não é replicada em outros países.
Ela começou a ser testada como projeto-piloto na cidade de São Paulo em 2022. Atualmente são 232,7 km da sinalização que segrega as motos dos demais veículos em 46 vias paulistanas.
Outros municípios brasileiros testam a faixa azul, como São Bernardo do Campo e Santo André, no ABC Paulista, e as capitais Salvador e Recife.
A Prefeitura de São Paulo defende a sinalização e, inclusive, enviou palestrantes a Brasília para mostrá-la como caso de sucesso. Em nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) rebate o estudo e afirma desconhecer sua metodologia.
A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) diz que o projeto pioneiro diminuiu o número de óbitos de motociclistas em 47,2%, passando de 36 em 2023 para 19 em 2024, nos trechos de vias com a sinalização na capital paulista.
“No primeiro semestre de 2025, como mostram os dados do Infosiga [sistema estadual que mede a violência no trânsito], o número de mortes de motociclistas no município teve queda de 7,6% em relação ao mesmo período do ano passado”, diz a prefeitura.
Na comparação anual o número de motociclistas mortos na capital paulista passou de 366 em 2023 para 433 em 2024.
Para se tornar uma política pública de trânsito regulamentada, a faixa azul precisa ser aprovada pela Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito), que está analisando os dados enviados pelos municípios, e depois passar pelo crivo do Contran (Conselho Nacional de Trânsito). Não há prazo para isso ocorrer.
O trabalho apresentado nesta quarta teve início após os pesquisadores identificarem que algumas análises importantes não estavam sendo consideradas nos relatórios de avaliação que estavam sendo compartilhadas com a Senatran.
“Para esse tipo de sinalização inédita no país, faz-se necessário ter análises com métodos mais robustos”, diz o estudo que apontou, por exemplo, que a CET apresentou fontes diferentes de dados comparativos.
“De forma geral, os dados ainda não permitem concluir se a política reduz mortes ou lesões no trânsito, mas indicam tendências distintas conforme o trecho [via de trânsito] analisado”, afirma outro trecho do texto.
O levantamento identificou aumento de 33% nos acidentes com motociclistas nos cruzamentos, locais tradicionalmente mais críticos em termos de risco viário e, ao mesmo tempo, uma redução de 33% nos acidentes nos meios de quadra. Ou seja, o estudo apontou que a faixa azul diminui a quantidade de acidentes em alguns trechos, mas aumenta em outros na mesma proporção.
Os dados apresentados à Senatran, aponta Ezequiel Dantas, diretor de Vigilância de Lesões no Trânsito na Vital Strategies, não comparavam sinistros na faixa azul e fora dela, numa mesma via e sentido de direção. Também faltam comparações de ruas e avenidas com a sinalização e sem.
O monitoramento também mostrou que sete em cada dez motociclistas ultrapassam o limite de velocidade nas vias com faixa azul, frente a um em cada dez nas vias sem a sinalização, o que chama atenção para o crescimento de um comportamento de risco com potencial de aumentar a chance de ocorrer um acidente, também, de piorar a gravidade das lesões.
Esse foi o sinal de alerta do estudo. “Mais velocidade significa menos tempo para reagir e maior gravidade nas lesões das vítimas envolvidas”, afirma Dantas. “Definir e fortalecer uma estratégia de fiscalização de velocidades nas faixas azuis é imprescindível.”
Rafael Calábria, pesquisador de mobilidade do BR Cidades, diz que a alta velocidade é um problema de difícil solução. Ele lembra que no inicio do projeto, da CET chegou a colocar agentes em motocicletas na faixa azul instalada na avenida 23 de Maio para “provocar trânsito” e fazer quem vinha atrás andar mais devagar.
Ele não tem ligação com o estudo e defende que a expansão da faixa azul pelo país deveria ser suspensa até que se tenha dados. “O discurso de que ela organiza o trânsito faz sentido, mas não é por isso que é uma boa solução.”
Na última sexta-feira (25), o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo de Lima Catão, afirmou à Folha que a faixa azul ainda não é consenso. Pois, se de um lado, a prefeitura paulistana apresenta queda de óbitos onde a via segregada foi instalada, o número de mortes de motociclistas na cidade como um todo tem apresentado seguidos crescimentos.
Ao contrário do que ocorre na Malásia e Vietnã, onde a maioria das pistas para motos são fisicamente separadas, diz o estudo, o modelo paulistano não possui segregação física, o que aumenta a complexidade dos riscos.
“Os resultados preliminares não apontam para uma recomendação imediata de expansão do projeto em larga escala”, afirma Dantas.