PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Com a área ao redor da Igreja da Matriz ainda com sinais da alta da maré, que encheu as ruas da cidade mais cedo, a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) deu início à sua programação deste ano com uma apresentação afetuosa de Arnaldo Antunes sobre o autor homenageado da edição, Paulo Leminski.
Antunes conheceu o escritor e sua obra teve influência direta de Leminski. Embora certamente tenha planejado algo do que ia dizer, o músico imprimiu um tom de improviso à sua fala, como se travasse uma conversa na varanda com o público -por vezes, era como se resolvesse buscar livros e papéis antigos em uma gaveta para mostrar às visitas.
O ex-integrante dos Titãs apresentou a obra de Leminski à plateia da Flip de um ponto de vista pessoal, lembrando suas primeiras leituras e o momento em que conheceu pessoalmente o poeta.
“Quando conheci a poesia de Leminski, para mim era uma peça que se encaixava entre a poesia concreta e a tropicália”, disse Antunes, defendendo que os livros do autor representavam a união de diferentes universos.
“Ele era um elo entre a cultura e a contracultura, ao mesmo tempo erudito e popular. Ele discorria com desenvoltura sobre poesia de várias épocas, línguas e culturas. Mas era uma erudição sem empáfia nenhuma, trazendo dos clássicos o que era vital.”
Para o músico, essa mistura de universos na obra de Leminski consegue reunir aspectos que em tese poderiam ser conflitantes.
“Ele é sempre libertário na forma e no conteúdo, fazendo o encontro da experimentação com o discurso coloquial. E nele esses atritos de certa forma se apaziguavam.”
Antunes leu diversos trechos do autor homenageado e chegou a tocar no celular uma canção da banda britânica Fine Young Cannibals. A falta de ensaio pareceu cativar a plateia, que respondia com risos e aplausos ao tom descontraído da apresentação.
O músico lembrou até um texto pouco conhecido de Leminski, um comunicado à imprensa que escreveu para o disco “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, quarto disco dos Titãs, de 1987. Antunes foi mais uma vez aplaudido ao fim da leitura.
“Acho que o Leminski faz falta não só em nosso coração, mas na nossa cena cultural. Assim como Zé Celso, Décio Pignatari, Haroldo de Campos… São esses buracos que ficam”, disse.
O formato da abertura mostra uma escolha da curadora, a editora Ana Lima Cecilio, por capturar o público com um viés mais pop –tradicionalmente, a Flip se iniciava com uma conferência em tom mais sisudo. No ano passado, uma apresentação do historiador Luiz Antônio Simas teve perfil semelhante, embora menos improvisada.
Esta edição marca a volta da Flip para sua época de realização original, o inverno. A última vez em que havia acontecido neste período foi em 2019, até que a pandemia desregulou o calendário do evento. O meio do ano não é só mais conveniente para o comércio local, por trazer visitantes em um momento que costuma ser de baixa temporada, mas também facilita o convite de autores estrangeiros -já que coincide com o verão no hemisfério norte.