MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Se viajar por alto-mar acompanhado de cantores famosos já é carne de vaca, fazendo a roda do turismo de cruzeiro girar há tempos, descer rio abaixo com grandes escritores ainda traz uma lufada de novidade.
Ainda que o projeto Navegar É Preciso já caminhe para sua 14ª edição anual zarpando do porto de Manaus, a jornada carrega o frescor de começar a ler uma história com cheiro de livro novo.
A viagem de 2026 acontecerá de 27 de abril até o feriado de 1º de maio. Já estão confirmados o cronista Antonio Prata e o compositor Zeca Baleiro como convidado musical. As reservas custam de R$ 13.300 a R$ 18.850, com tudo incluso pelos cinco dias de passeio, exceto as eventuais passagens aéreas até a capital do Amazonas.
Criado pela empresa de viagens Auroraeco a partir de uma ideia de Samuel Seibel, dono da rede Livraria da Vila, o projeto que leva um punhado de autores para passear na amazônia acompanhados de leitores ávidos tem alguns trunfos na manga para oferecer, a cada ano, uma experiência única.
O principal deles é que, a cada viagem, mudam muito os escritores convidados. Já houve repetições, como do ícone dos livros infantis Pedro Bandeira, que voltou tempos depois de ser convidado levando toda a família para uma segunda navegação. Mas a curadoria de quem estará lá é de primeira classe.
Na edição a que a reportagem compareceu, entre abril e maio deste ano, os autores eram Jeferson Tenório, do jovem clássico “O Avesso da Pele”; Socorro Acioli, uma das romancistas mais vendidas do país; Vera Iaconelli, psicanalista de forte verve literária; e as escritoras Eliane Marques e Mariana Salomão Carrara, que vinham de ganhar o Prêmio São Paulo de Literatura, um dos mais prestigiados do país.
A proposta é que os escritores entrevistem uns aos outros em cinco mesas espalhadas ao longo de três dias. Todos eles se alternam entre a função de fazer perguntas e ser alvo de sabatina. Algumas conversas não deixaram nada a dever a bons festivais literários.
Acioli misturou a graça de um show de stand-up bem ensaiado a momentos tocantes em que falava das durezas de uma infância disfuncional; Marques pôde apresentar seu projeto literário robusto, inventivo em forma e ousado em postura, a um público que a conhecia menos do que aos outros autores. Iaconelli nadou de braçada diante de uma plateia que, curiosamente, era repleta de psicólogos.
Completava o elenco da viagem uma convidada musical, a cantora Zélia Duncan, que além de promover um show afetuosamente adaptado para dedicar músicas às obras dos autores que estavam no barco, também foi entrevistada ao vivo pela musicista Flávia Maia em uma sessão separada.
Os debates, que contavam com uma engajada participação da plateia de leitores, eram intercalados com passeios pelas margens do rio Negro, tornando a experiência ainda mais singular.
Cada dia começava com uma saída de lancha para um banho de rio ou uma breve exploração da floresta, com guias bem preparados da região. Então o grupo voltava a embarcar, era recebido com um suco de fruta natural e se preparava para assistir a um dos encontros da programação.
Rotina similar acontecia após o almoço -aliás, banquete oferecido por chefes em esquema bufê, permitindo se fartar em refeições muito ancoradas em peixes de rio e vegetais daquela região. Quem viaja esperando apenas deleite literário também pode contar, seguramente, com o culinário.
Uma das graças do projeto é que os convidados dividem todo o itinerário com quem pagou para viajar. Era comum ver jantares em que escritores tinham animadas conversas à mesa com leitores entre talheres e guardanapos, e mesmo Duncan costumava ser vista ao lado de seus fãs de colete laranja nas lanchas.
O que para alguns artistas mais arredios pode soar como um pequeno pesadelo -estar preso num barco com uma legião ávida de groupies, por dias sem cais- acontecia com bastante naturalidade. Ao menos neste caso, as estrelas não reclamaram de ter sido assediadas de forma desrespeitosa, o que também diz muito sobre o público pagante.
O que fica na lembrança é uma espécie de Flip em movimento -para citar a mais famosa das festas literárias brasileiras, que aliás acontece nesta semana em Paraty, no litoral do Rio de Janeiro.
Quem gosta de livros se senta numa plateia, acompanha uma apresentação de alto nível com um escritor proeminente, mas olha ao redor e vê a maior floresta tropical do mundo passando lentamente pelas janelas. Pode dar um pouco de tontura -e Jeferson Tenório confessou ter sofrido um pouco com a sensação de maresia-, mas o deslumbramento acaba tomando o primeiro plano.