BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Setores do agronegócio como as indústrias de carnes, café e pescados, que estão entre os mais impactados pelo tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos, pedem negociação constante e cobram medidas emergenciais do governo brasileiro. A medida da Trump entra em vigor 7 dias após a data da ordem, ou seja, a partir de 6 de agosto.

“Nós dependemos do governo, de diplomacia. Há um interesse dos órgãos americanos do setor de café de buscar uma solução”, diz Eduardo Heron, diretor técnico do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil). “O problema é que os dois governos, de ambos os países, estão demorando em negociar.”

Heron diz que os dados comprovam que não haverá substituição do café brasileiro dos EUA no curto prazo, dado o volume das vendas ao consumidor americano. “Não tem havido suspensão de embarque ou carga parada até o momento”, comentou.

A café nacional vinha sendo taxado em 10% pelos Estados Unidos. Agora, vai a 50%, embora ainda possa haver espaço para negociar essa tarifa. “O Brasil tem 34% do mercado dos Estados Unidos. É o maior fornecedor. Quando você olha, o segundo maior fornecedor de café para os Estados Unidos é a Colômbia, que tem 20%. Nós vendemos 8 milhões de sacas para eles no ano passado, enquanto a Colômbia vendeu, para todo o mundo, 12 milhões de sacas. Isso significa que ela não teria condições de suprir a demanda dos americanos no curto prazo”, diz Heron.

Eduardo Lobo, presidente da Abipesca (Associação Brasileira da Indústria da Pesca), disse que a situação é de alerta máximo no setor e que, se não houver linha de crédito subsidiado e emergencial, haverá demissão em massa.

“O setor paralisou seus negócios de exportação. Tínhamos a expectativa de liberação de linhas de crédito, mas até agora o governo não atuou nisso. Ou o governo faz uma linha de crédito urgentemente, ou vai ter uma avalanche de fechamento de empresas e demissões”, disse Lobo.

A Abipesca entrou com um pedido formal ao governo brasileiro para liberação de uma linha emergencial de crédito de R$ 900 milhões, há mais de uma semana, mas não teve retorno.

“O governo está sendo passivo neste momento, precisa dar a mão para gente. Fiz o pedido dos R$ 900 milhões e até agora, nada. Se o governo não socorrer o setor de pescados nos próximos oito dias, o setor vai começar a diminuir 1 mil pessoas, a cada 15 dias”, disse.

A Abipesca tem previsão de participar de um encontro com o Mdci (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) nesta quinta-feira (31). “A negociação, agora, é dentro do Brasil. Com os Estados Unidos, o cenário está dado. O que a gente quer é linha de crédito”, comentou Lobo.

Cerca de 5 mil pessoas atuam na indústria de pescados, além de outros 20 mil em embarcações, a maior parte concentrada na região Nordeste do país.

O setor pesqueiro brasileiro movimenta cerca de R$ 20 bilhões (R$ 110 bilhões) por ano, dos quais aproximadamente US$ 600 milhões (R$ 3,3 bilhões) estão ligados às exportações. Deste total exportado, entre 70% e 80% têm como destino os Estados Unidos, o que torna o país o principal mercado externo do Brasil, já que a União Europeia mantém grande parte de seu mercado fechado desde 2017, por questões sanitárias ligadas à rastreabilidade do pescado nacional.

O consumidor brasileiro consome cerca de 75% da tilápia que produz, sendo 25% exportada. Os Estados Unidos compram praticamente 95% dessa remessa.

No setor de carnes, o momento também é de pedir avanço nas negociações e máxima cautela. A última carta que os produtores querem ver na mesa é a aplicação da reciprocidade, por entender que esta seria a falência de qualquer possibilidade de negociação.

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) chegou a estimar que a venda de carnes bovinas aos EUA deve ter uma queda estimada de 47%, enquanto o café pode ter uma redução de 25%.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, as tarifas extras já impostas pelo presidente dos Estados Unidos derrubaram a venda de carne bovina brasileira para os americanos, mesmo antes de entrar em vigor a sobretaxa de 50%, a partir de 1º de agosto.

Em abril, mês em que Trump passou a impor a taxação adicional de 10%, as exportações brasileiras de carne para os EUA chegaram a 47,8 mil toneladas, conforme dados do comércio bilateral são do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).

Em menos de três meses, porém, o volume despencou: foram registradas vendas de 27,4 mil toneladas em maio. Em junho, houve uma nova redução, para 18,2 mil toneladas. Neste mês, mais um tombo, e o volume das compras americanas chega a 9,7 mil toneladas neste momento, uma redução de 80% sobre as exportações de abril.

Já o preço da carne brasileira subiu para o mercado americano. Se em abril o valor médio pago pelo importador era de US$ 5.200 por tonelada de carne, esse preço passou para US$ 5.400 em maio e chegou a US$ 5.600 em junho. Nesta semana, o valor médio praticado está em US$ 5.850, uma alta de 12%.

Algumas remessas de carne já fechadas e que tinham os EUA como destino chegaram a trocar o destino portuário em território americano, para evitar que a embarcação chegasse após o dia 1º.

A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) declarou que a nova alíquota produz reflexos diretos e atingem o agronegócio nacional, com impactos no câmbio, no consequente aumento do custo de insumos importados e na competitividade das exportações brasileiras.

“Diante desse cenário, a FPA defende uma resposta firme e estratégica: é momento de cautela, diplomacia afiada e presença ativa do Brasil na mesa de negociações. A FPA reitera a importância de fortalecer as tratativas bilaterais, sem isolar o Brasil perante as negociações. A diplomacia é o caminho mais estratégico para a retomada das tratativas”, declarou.

A Marfrig, uma das maiores companhias de carne do mundo, decidiu paralisar a produção de seu complexo de Várzea Grande, em Mato Grosso, destinada aos Estados Unidos.

Conforme informações obtidas pela Folha de S.Paulo, a empresa afirmou ao Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) que o pedido de paralisação temporária está ligado a motivos comerciais. Não há detalhamento sobre o volume que deixará de ser enviado ao consumidor americano.

De acordo com a empresa, a paralisação da produção destinada ao mercado americano passou a valer no dia 17 de julho. O retorno, que ainda não tem data prevista para ocorrer, deverá ser informado aos órgãos de fiscalização com 72 horas de antecedência.