SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Sergei Magnitsky dá nome à lei aplicada contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O advogado foi preso em 2008 após denunciar fraudes de autoridades russas e morreu quase um ano depois na prisão.

QUEM FOI SERGEI MAGNITSKY

Magnitsky foi um advogado tributário que expôs uma fraude de membros do Ministério do Interior da Rússia. Ele trabalhava para um fundo de investimento estrangeiro: o Hermitage Capital Management, cujo proprietário, o britânico William F. Browder, entrou em conflito com autoridades russas.

Magnitsky trabalhava como advogado para Hermigate quando foi preso. As autoridades acusaram a companhia de não pagar cerca de US$ 17,4 milhões em impostos.

Browder foi o maior investidor estrangeiro da Rússia até 2005, quando teve sua entrada no país negada. Para se defender no caso, ele contratou Sergei. Na época, o governo russo alegou que o investidor era uma ameaça para segurança nacional.

Sergei denunciou um desvio de US$ 230 milhões das autoridades russas. Em seguida, foi preso em 2008, sob a acusação de evasão fiscal pelo governo.

Magnitsky morreu na prisão em 2009, aos 37 anos, após 11 meses sob custódia. Ele estava detido na prisão de Matrosskaya Tishina, em Moscou, e deixou esposa e dois filhos.

O governo russo disse, à época, que ele morreu de insuficiência cardíaca. Porém, o conselho de direitos humanos do Kremlin levantou suspeitas de que ele teria sido espancado até a morte.

Sergei não teria recebido cuidados médicos adequados na prisão, segundo relatos. As autoridades, no entanto, negaram que o advogado tivesse alertado sobre seus problemas de saúde.

Mesmo depois de morto, Magnitsky foi condenado junto com o seu ex-cliente, Browder. O empresário que tem cidadania britânica, mesmo tendo nascido nos EUA, buscou justiça fora da Rússia.

Browder pediu que governos estrangeiros aplicassem proibições de vistos e congelamento de ativos para violadores de diretos humanos e funcionários corruptos. Ele foi condenado a nove anos de prisão na Rússia e desde então tem sido um ativista no âmbito dos direitos humanos.

LEI MAGNITSKY: O QUE É E POR QUE MORAES FOI ALVO?

Aprovada em 2012 e ampliada em 2016, a Lei Magnitsky permite que os EUA apliquem sanções unilaterais contra estrangeiros acusados de corrupção grave ou violações sistemáticas de direitos humanos. As punições incluem o bloqueio de bens em solo americano, o congelamento de contas e outras transações pelo sistema financeiro dos EUA, além de proibição de entrada no país. Não há necessidade de processo judicial —basta uma decisão do Executivo com base em relatórios ou documentos de organizações internacionais, imprensa e testemunhos.

O ato foi criado ainda no governo Obama em resposta à morte de Magnitsky. A legislação surgiu como instrumento para punir os envolvidos no caso.

A aplicação da lei contra o ministro Alexandre de Moraes ganhou corpo após a viagem de Eduardo Bolsonaro aos Estados Unidos. O deputado tentou convencer parlamentares republicanos a adotarem sanções contra o ministro com base na Lei Magnitsky. A atuação foi vista como parte de uma estratégia para internacionalizar o embate político e pressionar o Judiciário brasileiro com apoio externo.

Elon Musk, entre outros nomes conservadores, passaram a defender a aplicação da lei contra Moraes desde então. A sugestão, no entanto, é vista por especialistas em direito internacional como um desvirtuamento da legislação.

Na prática, o ministro corre o risco de perder cartões emitidos por bancos americanos, ter o acesso a pagamentos por Google Pay e Apple Pay bloqueados, além de ser monitorado por empresas americanas —como o Google— para garantir que ele não está contornando as sanções, segundo a legislação. Empresas e cidadãos americanos ficam impedidos de negociar com Moraes, mas não há previsão de sanção para pessoas ou entidades internacionais.

Segundo o texto da própria legislação americana, as sanções se aplicam a responsáveis por execuções extrajudiciais, tortura, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e outras violações flagrantes dos direitos à vida, à liberdade e à segurança. A definição de “graves violações” está ancorada em tratados internacionais e exige conduta sistemática. Também podem ser punidos agentes que reprimem denúncias de corrupção ou impedem o trabalho de jornalistas e defensores de direitos.

As sanções podem ser impostas com base em provas não judiciais, mas precisam de fundamentação plausível. A medida é executiva e envolve o Departamento de Estado, o Departamento do Tesouro e a Ofac (Office of Foreign Assets Control), órgão responsável por incluir nomes na chamada SDN list, que bloqueia o acesso ao sistema financeiro americano.

Já houve precedentes contra membros do Judiciário, mas apenas em regimes autoritários. A lei foi usada contra magistrados russos e contra autoridades da Turquia e de Hong Kong, em casos que envolviam perseguições políticas, julgamentos fraudulentos ou repressão estatal institucionalizada.