SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Um Milhão de Ruas” é o mais recente lançamento de Fabrício Corsaletti, um escritor de diversos gêneros. O livro que reúne 190 de suas crônicas, entre as já lançadas e as inéditas, tem também fotos que o próprio autor tirou pelas mesmas ruas onde nasceram as inspirações para seus textos.

Esses registros imagéticos presentes no início e no final do livro não são ilustrações dos textos contidos ali, mas crônicas visuais autônomas, como afirma o autor, que estará nesta quinta-feira numa mesa da programação principal da Flip, em Paraty, ao lado da também escritora múltipla Lilian Sais.

“O livro começa com fotos para que o leitor, antes de chegar à primeira crônica, já seja levado para vários lugares. E as fotos ao final são uma forma de criar um infinito, mostrando que ali poderia ter mais histórias”, diz o autor, que venceu o Jabuti de livro do ano em 2023.

Apesar de passarem pelos mesmos lugares, o Corsaletti fotógrafo é bem diferente de sua versão cronista. Com a câmera, ele evita registrar pessoas porque não se sente “à vontade para invadir a privacidade delas”. Já nas crônicas, assume uma liberdade quase total de não só descrever, mas criar a partir do que observa.

Com nomes fictícios e características inventadas, ele não escreve sobre pessoas reais, mas sobre as versões de sua imaginação. Enquanto a câmera impõe limites, o papel aceita tudo. E se o fotógrafo recua diante da realidade, o cronista a transforma em anedota a ser compartilhada.

O cronista, como explica um editor veterano do gênero, Humberto Werneck, “é um observador do mundo capaz de ver as coisas com uma finura não antes imaginada”. Esses detalhes que passam despercebidos para os outros são matéria-prima para transformar o trivial em um texto que “faz cócegas na sensibilidade do leitor”.

Apesar de distribuída em jornais, a crônica, segundo Werneck, é muito menos jornalismo e mais criação. “É um espaço onde as coisas são muito mais insinuadas e sugeridas do que ditas”, aponta ele, que publicou recentemente o compêndio “Viagem no País da Crônica” pela Tinta-da-China, sobrevoando a produção de diversos autores brasileiros.

Como afirma Corsaletti, o “pacto ficcional” do cronista com o texto e seu leitor é implícito. Ou seja, não é necessário avisar que aquilo que se lê não aconteceu exatamente daquela forma, ou que pode nem ter acontecido. O leitor não questiona enquanto considera o que lê aceitável.

Leitores constroem uma relação de confiança com cronistas e podem até escolher algum para chamar de seu, mas é subentendido nesse relacionamento que o cronista ali apresentado talvez nem exista. “O narrador das minhas crônicas é muito parecido comigo, mas não corresponde totalmente a mim. Tem várias diferenças entre nós, mas não sei dizer quais exatamente.”

Segundo Corsaletti, escrever crônicas é como colocar uma máscara que liberta o autor para experimentar coisas além do que vive. Essa liberdade parece aproximar o gênero da popular autoficção, mas o escritor rejeita esse título.

“A autoficção é uma moda recente e tem ótimos escritores fazendo. Mas a literatura é muito mais velha do que isso. Os cronistas faziam algo parecido com essa ideia de autoficção, sem chamar de autoficção, porque eles estão aí mais tempo.”

Já Werneck se diz mais “ressabiado” sobre o gênero da moda. “Não acho que a literatura de autoficção vá comprometer a existência da crônica, mas esse caminho está sendo tão trilhado que me pergunto se não é um caminho fácil demais.”

A crônica é um gênero de muitas definições, que se baseia em subjetividade sem perder a assertividade. Como diz Werneck, “às vezes, a crônica vale até mais do que a coisa que está sendo dita, mas sua maneira de dizer é decisiva”.

UM MILHÃO DE RUAS: CRÔNICAS 2010-2025

– Preço R$ 92 (416 págs.)

– Autoria Fabrício Corsaletti

– Editora 34