SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O destino das tarifas impostas por Donald Trump ao mundo e ao Brasil pode ser definido na Justiça americana, mas levará tempo até uma decisão permanente ser tomada, apontam especialistas em comércio e direito internacional. Enquanto isso, o mais provável é que as sobretaxas continuem em vigor.
Apesar do fundamento jurídico sólido para que o tarifaço seja considerado ilegal, a avaliação é que o caso é complexo e tem consequências políticas importantes, o que não passará em branco pelos tribunais dos Estados Unidos.
O próximo capítulo do vai e vem jurídico acontece nesta quinta-feira (31), um dia antes da entrada em vigor das sobretaxas, com uma audiência que será realizada em Washington, nos EUA, para avaliar uma ação de importadores prejudicados pelas tarifas.
Será a continuação de um julgamento do Tribunal de Comércio Internacional (CIT, na sigla em inglês), em Nova York, que no dia 28 de maio determinou que as tarifas de Trump são ilegais e impediu sua aplicação. Um dia depois, após recurso do governo dos EUA, a corte federal de apelações (U.S. Court of Appeals for the Federal Circuit) suspendeu a decisão e restabeleceu as sobretaxas. A audiência desta quinta retomará o caso.
No centro do debate, está o uso da IEEPA (sigla em inglês para Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional), que é a base das decisões de Trump sobre tarifas. É uma lei que concede ao presidente poderes para regular transações econômicas em resposta a ameaças externas incomuns e extraordinárias à segurança econômica dos EUA.
Na visão da maior parte de especialistas no tema, as tarifas impostas por Trump estão longe de se enquadrar nessa legislação. Mas mesmo que o uso da IEEPA seja considerado ilegal, a avaliação de especialistas é que esse não é o único caminho que pode ser tomado pelo presidente americano.
“Se os tribunais derrubarem as tarifas com base na IEEPA, a expectativa é que o governo Trump trabalhará na imposição de tarifas sobre o Brasil e outros através de uma gama de diferentes opções legais”, disse à Folha Geoffrey Gertz, que foi diretor para economia internacional do Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca e hoje é pesquisador sênior do Centro para uma Nova Segurança Americana em Washington.
Em fevereiro, especialistas em comércio e direito aventavam a possibilidade de Trump lançar mão de uma lei comercial de 1930, a Seção 338, para respaldar as tarifas recíprocas dos Estados Unidos. Essa legislação permitiria a imposição de sobretaxas de 50%, mas nunca foi usada para esse fim.
Há ainda outros instrumentos na legislação americana que poderiam ser usados, segundo Gertz, mas seriam mais demorados. “Cada uma dessas opções é mais lenta e mais trabalhosa do que o caminho atual, e assim limitaria a flexibilidade do governo dos EUA para impor e ameaçar tarifas.”
Dada a complexidade e repercussão da ação, é pouco provável que haja uma decisão imediata sobre a legalidade das tarifas no final desta semana, diz o ex-secretário de Comércio Exterior e sócio do escritório Barral Parente Pinheiro Advogados Welber Barral.
A expectativa é que os juízes marquem uma nova sessão para proferir a sentença, que se for favorável aos importadores deverá ser alvo de novo recurso do governo americano e será julgada na instância final: a Suprema Corte dos EUA.
Enquanto isso, a probabilidade maior é que a Justiça americana determine que as tarifas continuarão a valer. “Acredito que, se o governo apelar da decisão para a Suprema Corte, provavelmente as tarifas permanecerão vigentes até a decisão final”, diz Gertz.
Para Barral, o principal cenário é que um eventual julgamento pela Suprema Corte aconteça somente em meados de 2026. “Os fundamentos para que as tarifas sejam cassadas são muito bons do ponto de vista jurídico. Mas a Suprema Corte americana também é influenciada por fatores políticos, e saiu pela tangente em várias outras matérias contra o Trump”, aponta o especialista. “Ela é formada por cinco conservadores e três liberais”, lembra.
No caso do Brasil, país com o qual os EUA possuem um superávit comercial duradouro, a expectativa é de um ato executivo específico para amparar tarifas de 50%, as mais elevadas entre todos os países e as mais delicadas, segundo a agência de notícias Bloomberg. Uma ação específica seria necessária pelo fato de os EUA serem superavitários na relação bilateral.
“Relatos sugerem que o governo Trump está considerando emitir uma nova declaração de emergência, também sob o IEEPA, especificamente sobre o Brasil. Não está claro se ou quando tal ordem executiva poderá ser emitida. Mas se os tribunais decidirem que o IEEPA não autoriza legalmente o uso de tarifas, então tal decisão também se aplicaria a esta ordem executiva”, diz Gertz.
Na semana passada, as empresas Johanna Foods e Johanna Beverages, que importam e distribuem suco de laranja, também recorreram ao Tribunal de Comércio Internacional, em Nova York, para que declare nula a aplicação das tarifas de Trump.
Outro caminho adotado por Trump para o caso do Brasil é a investigação comercial aberta pelo governo dos Estados Unidos em 15 de julho. A apuração, a cargo do USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA), vai avaliar práticas do país em áreas como comércio eletrônico e tecnologia, taxas de importação e desmatamento.
“Isso forneceria uma base [legal] alternativa para as tarifas, mas o governo precisaria passar por várias etapas processuais primeiro, incluindo audiências públicas, o que atrasaria as coisas”, afirma Gertz.